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Cuiaba - MT / 11 de janeiro de 2025 - 8:08

“Jurado Número 2”: o dilema de fazer o certo e se abandonar à vontade divina

Aviso desde já: o texto de hoje vai ter spoiler. Se bem que talvez não seja um spoiler. Digo, só é spoiler para quem não conhece a filmografia do Clint Eastwood – e para quem acha que todo filme é um romance da Agatha Christie. De qualquer forma, está feito o aviso. Agora vou começar a falar de “Jurado Número 2”.

Dilema moral

E começo pelo excelente dilema moral do filme. Pode ficar tranquilo que não é spoiler nem nada. A situação fica clara logo no começo, quando Justin (Nicholas Hoult), o tal jurado número 2 do título, percebe que ele pode ser, ah, a quem estou enganando, ele é o culpado pela morte de uma moça. Foi um acidente e tal, um atropelamento numa área em que é comum cervos cruzarem a pista, mas é por esse crime que o réu, James Sythe, está sendo julgado.

O que você faria?

Aqui o filme não tem preocupação nenhuma de ser sutil e lhe pergunta: o que você faria no lugar do Justin? Antes que você bata no peito para dizer que confessaria, no entanto, permita-me mencionar algumas circunstâncias que tornam a confissão ainda menos simples. Primeiro, Justin tem um histórico de alcoolismo, inclusive se envolvendo em acidentes graves. Nós, espectadores, sabemos que ele está sóbrio há alguns anos. Mas não seremos nós a julgá-lo.

Circunstâncias

Para piorar, no dia do acidente Justin sofreu uma perda horrível e, por isso, parou num bar. Ele pediu um copo de uísque, mas não tocou na bebida. Novamente, disso sabemos nós, os espectadores. E uma terceira circunstância: a esposa de Justin está esperando um bebê, numa gravidez de risco. Ou seja, ele está formando uma família e é um homem regenerado, ao passo que Sythe, injustamente acusado pela morte da namorada, já se envolveu com tráfico e tal.

Curioso

Dilema posto, é hora de falar sobre alguns outros aspectos do filme. Como, por exemplo, o aceno à obra-prima “Doze Homens e Uma Sentença”. Sobre isso, só achei curioso que o roteirista Jonathan A. Abrams tenha precisado transformar um jurado num criminoso para que ele levantasse a possibilidade de Sythe ser inocente. Afinal, se fosse apenas pelos indícios, pelas palavras das testemunhas e pelo passado do acusado, assustadoramente a dúvida passaria ao largo de todos. Inclusive dos espectadores e do jurado número 2.

O final (talvez com spoilers)

E agora chegou aquela hora que eu vinha adiando: a hora de falar sobre o final de “Jurado Número 2”. É um final aberto, que obriga o espectador a imaginar o que aconteceu aos envolvidos na trama. Por isso, é também um final que tem revoltado muita gente. Não a mim, como você já deve ter percebido. Até porque adoro imaginar – como você também já deve ter percebido.

In God We Trust

De qualquer forma, quero chamar a sua atenção para um take específico. Uns poucos segundos em que Clint Eastwood dá um close no lema nacional dos Estados Unidos: In God We Trust (Em Deus Confiamos). Para mim, essa é a chave para entender o que diretor e roteirista quiseram ao ousarem propor um final aberto para uma plateia acostumada ao maniqueísmo tosco e infantil dos filmes de super herói.

Misericórdia

Tem a ver com a crença no sistema judicial norte-americano? Tem. Mas tem a ver principalmente com a crença na Justiça divina, que não se restringe às ideias de punição e vingança, e que deve necessariamente incluir a noção de misericórdia. Ou seja, ao se abandonar à vontade de Deus, Justin e a promotora, cujo nome não por acaso é Faith (Fé) Killebrew, terá de acreditar que uma punição branda ou severa, ou até mesmo uma improvável absolvição, são o que de melhor Deus tem reservado para ele e sua família. Ah, e para a carreira política da promotora também.

Ilusão do controle

Mas é mais fácil falar do que fazer, né? Ora, se temos dificuldade para nos abandonarmos à vontade divina em aspectos minúsculos da vida, como numa decisão de trabalho ou no casamento. Se até na política nos angustia não termos a ilusão do controle… Daí porque é difícil não só se colocar no lugar de Justin, mas também julgá-lo bom ou mau, inteligente ou estúpido, esperto ou tolo e principalmente culpado ou inocente de ser quem ele é – e ainda por cima nessas circunstâncias.

noticia por : Gazeta do Povo

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Cuiaba - MT / 11 de janeiro de 2025 - 8:08

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