“Vendo PC MK NCT sem avarias, R$ 60 com frete; +75 feedbacks. Vídeo no privado”. Alguém que cruze com esse anúncio pode até achar se tratar de algo ilícito. Mas esses são códigos de grupos que vendem e trocam “photocards”, pequenos cartões com selfies de ídolos do k-pop que viraram item colecionável entre os fãs.
Essa comunidade de colecionadores é cheia de termos e regras próprias. O interesse por essas fotos, que vêm dentro de álbuns do pop da Coreia do Sul, tem crescido no Brasil. A pesquisa por photocard no país bateu um recorde histórico em abril, segundo dados do Google Trends.
Essas fotos vêm dentro de álbuns do pop da Coreia do Sul e são mais uma forma criada por essa indústria para fidelizar fãs e, é claro, lucrar. A lógica é a mesma dos álbuns de figurinhas: o photocard (PC, na sigla) é aleatório e o fã depende da sorte para tirar o cantor que gosta.
Hoje, existem eventos que reúnem quem quer trocar ou vender os photocards, organizados pelos próprios fãs. Juliana Varga, 28, e Mayara Lopes, 24, criaram o B2B Team e organizam encontros a cada três meses. O primeiro, há dois anos, reuniu 50 pessoas numa cafeteria. No último, há um mês, 140 pessoas pagaram ingresso para participar.
Os chamados “collectors” chegam prontos para fazer negócio, com mesas portátil e malas cheias dos cartões –com preços de R$ 5 a R$ 250 cada um. O hobby virou uma espécie de negócio para alguns fãs, que compram de outros países e revendem.
A estudante de relações internacionais Gabriela Gutierre, 20, é colecionadora há três anos e hoje tem uma lojinha online. Ela compra os cartões direto da Coreia do Sul, por cerca de R$ 15 cada um, e vende aqui por a partir de R$ 25. “Sou fã de k-pop desde criança. Comecei a imprimir photocards em casa e, conforme fui amadurecendo, aprendi a comprar e trocar”, ela diz.
A maioria de seus clientes, afirma, está na faixa de 25 anos. Gutierre mantém uma coleção particular com mais de mil fotos –600 só do ídolo favorito, Jaehyun, do NCT 127. Ela já chegou a desembolsar R$ 3.500 por um único photocard, uma edição rara do cantor.
Os photocards são fabricados num tamanho padrão, de 8,5 cm de altura e 5,5 cm de largura, mas há os comuns, mais baratos, e os raros, com preços nas alturas. Os mais fáceis de achar são os “regulares” e geralmente vêm dentro de álbuns com larga produção, os chamados “pulls”.
Os chamados “lucry draw”, produzidos em pequena quantidade, vêm em edições especiais de álbuns, são vendidos com outros produtos oficiais ou distribuídos em shows e fanmeetings na Ásia. Se é autografado, fica ainda mais caro.
Quando é uma foto do artista tirada por outra pessoa, e não uma selfie, perde valor. Se tem algum tipo de avaria, como um risco ou amassado, também perde valor. Para evitar favoritismos e valores mais caros para integrantes mais populares, os fãs brasileiros estabeleceram uma regra e seguem tabelas de preços fixos.
O hobby é comum no país do k-pop, e no Brasil começou a crescer após a pandemia. “A cultura collector é recente e está se popularizando”, diz Ruth Flausino, 28, engenheira ambiental de formação. “Hoje em dia, a galera quer mostrar os photocards. Antes, as pessoas tinham vergonha.” Fã de Stray Kids, ela coleciona desde 2023 e calcula já ter gasto R$ 50 mil com photocards e álbuns. “Colecionar é um hobby caro.”
Alguns fãs criam planilhas para organizar os gastos e confessam que, às vezes, bate o arrependimento. Há casos daqueles que desistem da coleção e decidem vender tudo. O termo para isso é “drop”.
A designer Thayná Reis, 28, decidiu vender parte de seus photocards para recuperar o dinheiro que gastou e viajar ao Japão –onde pretende comprar cards mais baratos. “Acho que sou muito impulsiva, a maioria dos fãs também. Mas é um hobby divertido e mais barato do que outros”, diz. Fã de k-pop desde os 12 anos, ela começou a colecionar em 2014 e já gastou cerca de R$ 20 mil. Uma vez, comprou um por R$ 1.500, mas era falso.
Com a popularização desses itens colecionáveis, surgiram produtos falsificados. Para averiguar a veracidade, os fãs fazem tal qual as cédulas de R$ 100 e observam a textura e brilho do cartãozinho, além do material. Por outro lado, fãs que não querem desembolsar tanto criam suas próprias versões, conhecidas como “fanmades”.
Como todos esses produtos são importados, a solução dos fãs para economizar foi fazer compras em grupo, as chamadas “CEGs”. Os itens são encomendados em grandes quantidades de outros países, e o frete é dividido. O produto, no entanto, demora meses para chegar e corre o risco de ser barrado ou taxado na alfândega.
Essas negociações costumam ser feitas em redes sociais como X e em grupos de WhatsApp, que são divididos por cada artista de k-pop. Para montar uma coleção, é mais viável escolher um único grupo ou um integrante, já que cada ídolo chega a ter centenas de versões diferentes de photocard. Segundo dados do Google Trends, entre os grupos mais pesquisados por photocard estão BTS, Blackpink, Stray Kids e Twice.
Mas, caso o ídolo seja expulso do grupo ou se envolva em alguma polêmica, o preço de mercado despenca. O estudante de aviação Victor Hugo, 25, tinha juntado mais de 500 photocards do Taeil, cantor do NCT 127, quando ele foi denunciado por violência sexual –caso hoje em investigação. Hoje, as fotos estão guardadas numa caixa no fundo do guarda-roupa. “Não consigo nem olhar pra elas”, ele diz.
O estudante herdou a coleção de chaveiros do pai e já colecionou outros itens antes. Com k-pop, calcula ter gastado R$ 10 mil. Hoje, comanda uma lojinha de produtos de k-pop com o amigo. Eles viajaram de ônibus do Rio com malas e caixas cheias para vender no evento. Para ele, assim como outros colecionadores, eles gostam de fazer parte dessa comunidade de quem tem os mesmos gostos que eles e formam amizades.
noticia por : UOL