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Cuiaba - MT / 22 de abril de 2025 - 0:27

Peso geopolítico da Igreja Católica seguiu em baixa com Francisco

Maior instituição espiritual do planeta, com dois milênios de história e 1,3 bilhão de aderentes, a Igreja Católica sempre exerceu grande influência geopolítica.

Papas foram grandes líderes militares, comandaram extensos territórios e ditaram o rumo de nações, ordenaram cruzadas, herdando a estrutura do Império Romano. Mesmo após a Reforma e o Iluminismo, mantiveram poder político em países de maioria católica.

O século 20 e seu choque de realidade, com duas guerras mundiais, mudou isso de vez, mas não completamente. O ditador Josef Stálin (1878-1953) ficou famoso ao questionar quantas divisões tinha o papa, mas em 2025 sua União Soviética é defunta há 34 anos.

Além disso, os papados, mesmo modernos, nunca estiveram dissociados do Zeitgeist, o espírito do seu tempo.

Isso dito, foi o polonês Karol Wojtyla (1920-2005) o último grande pontífice do ponto de vista político. Reinando como João Paulo 2º por longos 27 anos, ele encarnou a resistência do seu Leste Europeu à dominação soviética.

Visitou países comunistas e manteve ativa interlocução com os movimentos que ajudaram derrubar a corroída Cortina de Ferro, que eventualmente levaram junto o império de Moscou em 1991. Tornou-se um popstar global por cortesia do espraiamento da cobertura de TV e criou ritualística própria, como o beijo no solo dos países que visitava.

Mas seus feitos se concentraram na primeira metade do seu papado. Depois, o hoje santo João Paulo 2º foi mais associado à sua agonia pública devido à saúde debilitada, que virou uma metáfora da decadência política de uma Igreja acossada por escândalos financeiros e de pedofilia.

Quando seu leão de chácara teológico, Joseph Ratzinger (1927-2022), o substituiu como Bento 16 em 2005, houve um alinhamento ao conservadorismo que ganhara força com as duas eleições de George W. Bush nos EUA.

Não era só a política. No ano anterior, uma visão integrista da religião havia tomado as telas no polêmico “A Paixão de Cristo”, do católico radical Mel Gibson, dando conta do ambiente cultural de rejeição à farra liberal dos anos 1990 e a frustração econômica das classes médias e baixas no Ocidente.

Bento 16 pregou uma Igreja menor e mais coesa —e saiu derrotado. A sangria de fiéis, em especial na Europa, continuou, e sua importância geopolítica foi marginal. Em 2008, o pêndulo ocidental mudou para o lado progressista novamente, com a eleição de Barack Obama nos EUA.

No meio do caminho, Bento 16 renunciou, e Jorge Mario Bergoglio, um argentino de forte tonalidade peronista, o particular tipo de esquerdismo paternalista que marca a política do seu país, foi sagrado papa em 2013.

Sua eleição sugeriu consonância com os tempos: com seu discurso de exaltação da pobreza e da humildade, Francisco se alinhava a ideais progressistas em voga. Fez aberturas inéditas a grupos marginalizados na Igreja, como os homossexuais, embora nunca tenha mudado a doutrina.

A visão de mundo de Francisco sempre foi, para críticos, eivada por um certo idealismo. Para seus defensores, ela refletia a ânsia de apoiar os mais expostos. Seja qual tenha sido sua motivação, do ponto de vista geopolítico a Igreja seguiu na rota do refluxo.

A mais notável contribuição do papa foi sua intervenção, em 2014, para mediar a reaproximação entre os EUA e Cuba. Ainda assim, foi algo efêmero, já que Donald Trump suspenderia o processo assim que assumiu seu primeiro mandato, em 2017. . Entrou em atrito com o atual vice trumpista, o católico J. D. Vance —ironicamente, a última autoridade a visitar Francisco.

Francisco ensaiou algumas leituras políticas do mundo em desencanto, em meio à ascensão, queda e retomada do poder do populismo de cepa trumpista nos EUA e mundo afora —não por acaso, era pintado por bolsonaristas como o proverbial padre de passeata.

Na encíclica “Fratelli Tutti” (“Todos Irmãos”, em italiano), de 2020, o papa colocou no mesmo cesto os populistas e os liberais, por exemplo, em oposição à fraternidade que deveria pautar as relações de Estado e população.

“A falta de preocupação com os vulneráveis pode se esconder atrás de um populismo que os explora demagogicamente para seus próprios fins, ou por um liberalismo que serve ao interesse econômico dos poderosos”, escreveu Francisco.

“Em ambos os casos, fica difícil enxergar um mundo aberto que dê espaço a todos, inclusive os mais vulneráveis, e mostre respeito por diferentes culturas”, disse, numa franca oposição tanto a políticas anti-imigração europeias quanto à própria doutrina do antecessor, que pregava o combate ao relativismo cultural.

Ele também apostou no combate à mudança climática como um flagelo, publicando uma encíclica de alerta (“Laudato Si”, ou louvado sejas, em italiano medieval) em 2015 e voltando ao tema em uma exortação oito anos depois.

Talvez refletindo a polarização, seus apelos ficaram restritos ao público que já concordava com eles, contudo. Seu declínio físico nos últimos anos tampouco ajudou na missão, e ele foi criticado no Ocidente por buscar entender os motivos russos para a invasão da Ucrânia, que condenou.

Na via contrária, no crepúsculo do papado o pontífice entrou em choque direto com J.D. Vance, o vice ideólogo e católico de Trump, ao rejeitar a noção do político de que a política migratória do chefe justificável sob a ótica cristã. Muitos viram ali, contudo, mais uma disputa já antecipando o futuro conclave.

Morto aos 88 anos, Francisco certamente arejou o debate interno na Igreja, ainda que sua pegada geopolítica tenha sido tênue ao longo dos anos.

Deixa um Colégio de Cardeais mais próximo de sua visão de mundo, mas é incerto como os homens de vermelho pretenderão interagir, a partir de sua escolha nesta nova era Trump, com um mundo onde o pêndulo não está nos polos tradicionais e o espírito é mais cínico.

noticia por : UOL

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