Em julho de 2023, escrevi nesta coluna que o Brasil deveria mirar menos a Argentina e mais o Uruguai quando se trata de integração global. Na época, o presidente argentino ainda era Alberto Fernández, e Buenos Aires parecia distante de qualquer mudança significativa rumo a uma abertura econômica. A ideia central daquele artigo era simples: precisávamos abandonar o fetiche por uma industrialização protegida e buscar uma política comercial mais pragmática, conectada com o mundo como propunha o presidente uruguai, Lacalle Pou. O curioso é que, passados menos de dois anos, quem colocou essa agenda em prática não foi Brasília. Foi justamente Buenos Aires.
Javier Milei, com toda a teatralidade que o cerca, tem adotado medidas concretas de abertura comercial que destoam do tom político predominante nas grandes economias. Anunciou a eliminação gradual das tarifas de importação sobre celulares, reduziu impostos internos sobre eletrônicos e desmontou entraves burocráticos ao comércio internacional. É uma medida liberalizante de fato, ainda que retoricamente embalada em acenos a figuras como Donald Trump —que, ironicamente, hoje lidera a maior economia do mundo com uma escalada tarifária inédita. Trump tem implementado tarifas sem criterio nenhum sobre todos paises, reacendendo os temores de uma guerra comercial global. Enquanto os Estados Unidos se voltam para dentro, com discursos de reciprocidade e punição, a Argentina tenta se reabrir ao mundo. Milei, ao menos nesse ponto, está na contramão de seu ídolo.
Enquanto isso, o contraste com o Brasil chama atenção. Lula critica abertamente o protecionismo trumpista, defende o multilateralismo e costuma falar sobre a importância de um comércio internacional. Na prática, porém, seu governo mantém uma economia fechada. Não voltou atras na cobrança sobre compras internacionais de até 50 dólares, conhecida como a “taxa das blusinhas”, e não levou adiante nenhuma proposta de redução da Tarifa Externa Comum do Mercosul. O discurso é de integração e fica por aí, só nas palavras.
Há quem defenda essas medidas com o argumento de proteger a indústria nacional ou gerar empregos locais. O resultado prático, contudo, tende a ser exatamente o oposto: desincentivo à inovação, aumento dos preços para consumidores e perda de competitividade internacional. A abertura econômica não é sinônimo de abandono da indústria, mas sim uma exigência por eficiência, qualidade e compromisso com o futuro. Protecionismo desmedido gera acomodação, não desenvolvimento.
Enquanto isso, a Argentina, país conhecido pelas crises econômicas, intervenções constantes e instabilidade cambial, sinaliza ao mundo que quer voltar a ser levada a sério como parceiro comercial. Podemos questionar o estilo de Milei, suas prioridades ou até a sustentabilidade política de suas decisões, mas é inegável que ele tenta romper com a lógica de fechamento que durante décadas se consolidou no Cone Sul.
O Brasil precisa prestar atenção. Se quisermos retomar um crescimento dinâmico, diversificar nossa inserção internacional e oferecer bens mais acessíveis à população, precisamos de muito mais do que retórica: é preciso coragem política para abrir portas. E, por enquanto, são outros que estão girando as maçanetas.
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noticia por : UOL