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Cuiaba - MT / 16 de março de 2025 - 18:11

ONG em SP ajuda mulheres a romper relações violentas e reconstruir a vida

Nas paredes, frases motivam mulheres a manter a cabeça erguida. “Nada é mais forte do que uma mulher que se reconstruiu”, diz um dos pôsteres.

Os lembretes preenchem paredes da ONG Bem Querer Mulher, localizada no Morumbi, zona oeste de São Paulo. A entidade atua na cidade que, só no ano passado, teve uma média diária de 357 casos de violência contra mulheres registrados.

Há 20 anos, a ONG mantém um trabalho multidisciplinar para acolher vítimas de violência doméstica. Lá, recebem assistência jurídica, psicológica, orientação de assistente social e participam de cursos profissionalizantes.

A Folha conversou com quatro mulheres que procuraram ajuda há pouco menos de um ano e manterá a identidade delas preservada —os nomes usados neste texto são fictícios.

Apesar de perfis diferentes, todas definem que as relações drenaram a autoestima. Destruída, acabada, envergonhada são alguns dos adjetivos usados ao lembrar do momento que buscaram ajuda.

Com os apoios que receberam, dizem que se sentem fortalecidas, compreendem os abusos que viveram e se veem livres para estudar, trabalhar e fazer aquilo de que gostam. Também relatam o uso de antidepressivos, identificam quais violências viveram e, algumas, classificam os agressores como narcisistas.

Maria lembra que o ex-marido, com quem viveu junto por mais de 40 anos, zombava dela quando dizia que gostava de dançar. “Sobe na mesa”, debochava ele, que por mais de 20 anos manteve uma relação violenta com ela.

No fim, ela contou com a ajuda de um dos filhos para denunciar a violência do marido. “Você chega aqui semimorta, sem um batom, sentindo-se um lixo. [As agressões] são diárias, nas mínimas coisas e aquilo vai acabando com você”, diz, recordando que sentia vergonha de pedir ajuda.

Ela afirma que começou a ter consequências psicológicas, como crises de ansiedade e pensava em suicídio. Mesmo assim, ficar longe dele não foi fácil. “Sabia que era ruim, mas era como um vício, dava vontade de voltar.”

Após sessões de terapia e rodas de conversa, entende o que passou. “Comecei a ver que o errado é ele”, diz ela, que passou a viver sozinha há menos de um ano, ainda depende da ajuda dos filhos para se sustentar e trava na Justiça uma briga pela divisão de bens.

Já enxerga, porém, a vida com mais liberdade e incorporou a dança a sua rotina. Hoje, não pensa em relacionamentos e brinca não querer cueca no seu armário. Usaria a peça, diz, apenas para ser pano de chão.

Também foi o filho de Paula quem impulsionou a denúncia contra o agressor. Em casa, era constantemente agredida e xingada. O medo de apanhar era tamanho que ela mantinha distância de cômodos quando reclamava de alguma coisa com o marido.

Descontava nos filhos a frustração da relação. O mais velho reclamou da rigidez da mãe dispensada a uma funcionária do posto de saúde, que a chamou para uma conversa. Foi lá que começou a se abrir e relatar as agressões que sofria.

Depois da orientação, tomou coragem, fez um boletim de ocorrência e conseguiu uma medida protetiva contra o marido. Não sabia, porém, o que fazer com o documento e, com este na gaveta, continuou vivendo com o marido.

Até que voltou a ser agredida. Cansada, ligou para a polícia, o marido foi levado e se separaram. Atualmente, além de fazer cursos profissionalizantes, ela ajuda a levar outras mulheres a buscarem ajuda na ONG.

É o caso de uma conhecida dela, Beatriz, que recebeu a culpa por tragédias, desde o abuso sexual que a filha adolescente sofreu até o suicídio do ex, viciado em álcool e cocaína.

A situação dela consistia em violência psicológica. “Sem encostar um dedo, ele me agrediu por cinco anos”, lembra. Não foram as violências que fizeram com que ela se separasse, mas as drogas. Segundo ela, foi por isso que, quando ele se matou, a família do ex colocou a culpa nela.

Nesse momento, ela mergulhou num período depressivo. “Eu tinha muita vontade de desistir, mas tenho meus filhos e não tinha nem esse direito.”

A morte do ex já faz cinco anos e ela considera que começou a refazer a vida. Foi com acompanhamento psicológico que entendeu traumas que carrega, como as agressões que sofria na infância.

“Cheguei aqui com medo de falar com as pessoas”, afirma ela. Agora, estuda confeitaria e se reencontrou com uma antiga paixão: os números —antes, ela trabalhou na área de contabilidade e agora tenta voltar, de alguma forma, a trabalhar com isso.

E nem sempre a violência surge já no início do relacionamento. Joana calcula que, das três décadas de casamento, foram nos três últimos que acabou submetida a um ciclo de violências, que culminaram em agressões físicas.

Tudo começou a ruir, segundo ela, quando o marido arrumou uma amante. “Eu pedi para ele olhar o que estava fazendo com a nossa vida”, lembra ela, que ouvia dele: “Cuida da sua vida”.

Hoje, ela vive com uma medida protetiva contra o ex. “Antes, eu não sabia dizer não, mas agora estou dizendo”, diz ela, que mantém o bom humor mesmo quando lembra do relacionamento.

Ao ser questionada sobre como se sente fora da relação, prefere definir o atual momento da vida com o samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, de 1989: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!”, cantarola, enquanto fala sobre a antiga relação.

A ONG é um dos projetos do Indes (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social). A gerente do instituto, Marina Gurgel, diz que a maioria das vítimas consegue se desvincular dos agressores, mas é preciso um trabalho multidisciplinar, que inclui uma rede de apoio e garantia de renda.

Sylvia Cury, psicóloga da ONG, destaca que, apesar do trabalho da organização surtir efeitos na vida das mulheres, há casos em que as vítimas engatam em relações violentas. “Nosso papel não é julgar. Isso é uma decisão delas, mas notamos que é mais comum entre aquelas que vivenciam violências psicológicas por anos.”


Como buscar ajuda

  • Para buscar a ONG Bem Querer Mulher, é possível procurar o local (r. Christiano Ribeiro da Luz Junior, 48, Morumbi. Tel.: (11) 3726-4220. Seg. a sex.: 9h às 18h)
  • No caso de urgência, ligue para o 190
  • Para denúncias, ligue para o 180
  • Para atendimento multiprofissional, em São Paulo, vá à Casa da Mulher Brasileira (r. Vieira Ravasco, 26, Cambuci, tel.: 3275-8000) —local funciona 24 horas todos os dias. A mulher tem acesso a delegacia, Ministério Público, Tribunal de Justiça e alojamento provisório se não puder voltar para casa.
  • Na Ouvidoria das Mulheres, por meio de um formulário online.
  • Projetos como Justiça de Saia, MeTooBrasil e Instituto Survivor dão apoio jurídico e psicológico para as mulheres vítimas de abuso e violência doméstica.

noticia por : UOL

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Cuiaba - MT / 16 de março de 2025 - 18:11

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