Na última semana, as ofensas dirigidas a Marina Silva durante audiência no Senado ganharam destaque no noticiário. Marina, que já foi vereadora, deputada estadual, senadora e é deputada federal licenciada para ocupar, pela segunda vez, o Ministério do Meio Ambiente, conhece bem os desafios de ser mulher no Poder Legislativo —ainda hoje um espaço hostil para mulheres.
Apenas em 2021 foi criada formalmente a bancada feminina no Senado brasileiro. Somente em abril deste ano, as senadoras conquistaram o direito a um gabinete próprio. O tempo de plenário é reconhecido por cientistas políticos como um recurso disputado e escasso, crucial na dinâmica legislativa.
Tradicionalmente, o foco esteve na centralização dos poderes de agenda nas mãos das lideranças partidárias. Mais recentemente, no entanto, tem crescido o interesse sobre como fatores de gênero moldam o acesso a esse recurso.
Dois estudos recentes analisam justamente os padrões de interrupção de discursos no plenário, comparando a experiência de homens e mulheres. Sebastián Vallejo Vera e Analía Gómez Vidal (2022) estudaram mais de 54 mil discursos no Congresso equatoriano entre 1988 e 2018; já Debora Thome e Mauricio Izumi (2025) analisaram quase 70 mil discursos proferidos por senadores e senadoras brasileiras entre 1995 e 2018.
Ambos identificam que as interrupções podem funcionar como barreiras de gênero.
No Equador, mesmo sendo menos interrompidas que os homens, as mulheres sofrem mais com os efeitos dessas interrupções: após serem interrompidas, tendem a falar por menos tempo e demoram mais para voltar à tribuna. É uma forma de “autossilenciamento estratégico”, resultado da antecipação dos custos reputacionais das interrupções —especialmente quando vêm acompanhadas de agressividade ou desqualificação.
No Brasil, a média de interrupções não é maior entre mulheres, mas o cenário muda entre aquelas em posições de liderança: senadoras líderes são mais interrompidas do que seus colegas homens — sobretudo por homens do próprio partido.
Os dois estudos mostram que os discursos das mulheres são, em média, mais curtos que os dos homens, e que o padrão das interrupções tem efeitos assimétricos. No caso equatoriano, as mulheres tendem a reduzir voluntariamente o tempo de fala para evitar novos confrontos. No caso brasileiro, mulheres líderes enfrentam maior deslegitimação justamente dentro de seus próprios partidos, sob a forma de interrupções e questionamentos que colocam sua autoridade em xeque.
O episódio grotesco protagonizado pelos senadores Omar Aziz (PSD-AM), Marcos Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM) exemplifica de forma didática a hostilidade enfrentada por mulheres em espaços de poder. Mas, mais que um caso isolado, revela padrões persistentes —tanto no Legislativo quanto em outros espaços de liderança, públicos e privados.
Esse tipo de violência simbólica costuma passar despercebida e raramente vira manchete. Mas tem consequências concretas: afeta a atuação e a permanência das mulheres na política. Com a ministra Marina Silva, o que se viu foi apenas a face mais pública de um padrão silencioso e cotidiano.
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noticia por : UOL