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Cuiaba - MT / 6 de fevereiro de 2025 - 23:52

O que foi o grupo guerrilheiro MR-8, que sequestrou o embaixador americano Charles Elbrick

“Sabemos o que o vil metal significa para certo tipo de pessoas. Ainda assim, ao que tudo indica, ele está pedindo para perder algo mais. Pode ficar tranquilo. Não faltarão almas pias para fazer a sua vontade”. Publicada na primeira página do jornal a Hora do Povo, em 27 de abril de 2007, a ameaça era dirigida contra o jornalista Diogo Mainardi, então colunista da revista Veja.

O jornal foi fundado em 1979 pelo grupo MR-8, o Movimento Revolucionário Oito de Outubro. Como ficou claro no episódio de ataque a Mainardi, o gosto pela violência não acabou, mesmo depois da redemocratização do país.

Famoso em todo o país pelo sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969, o MR-8 contou em seus quadros com nomes como Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Fernando Gabeira, Franklin Martins, Cid Benjamin, Stuart Angel Jones, Daniel Aarão Reis Filho, Vera Silvia Magalhães, Franklin de Mattos, Alfredo Iser e João Manoel Fernandes.

A partir do final dos anos 1970, aliou-se ao MDB e tornou-se braço político de apoio do político paulista Orestes Quércia. Ainda hoje, mantém vínculos com o movimento estudantil. O MR-8 chegou a fundar uma agremiação própria em 2009 — o Partido Pátria Livre (PPL) lançou João Goulart Filho à presidência em 2018, mas na sequência foi incorporado ao Partido Comunista do Brasil (PcdoB). Sinal de que, para os integrantes do grupo, a luta pelo socialismo continua.

Nome repetido, data errada

As origens do MR-8 datam de 1964, quando universitários do antigo estado da Guanabara criaram um grupo dentro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB). Em 1966, romperam formalmente com o PCB e passaram a apoiar abertamente a luta armada como a única estratégia viável para combater o regime militar. Vladimir Palmeira, um dos líderes estudantis mais conhecidos do país na época, fazia parte do grupo.

Em 1969, a DI-GB foi rebatizada quando do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. O grupo tinha duas exigências para devolver o representante do governo dos Estados Unidos com vida: a libertação de 15 guerrilheiros presos e a divulgação de um manifesto. Enquanto o texto era elaborado, seus autores decidiram provocar o governo, adotando o nome de um grupo que já havia existido.

Meses antes, o MR-8 original, fundado em Niterói, foi desmantelado, um feito muito comemorado pela ditadura. O “oito de outubro” fazia referência ao dia da morte de Che Guevara – a data, na verdade, estava errada, já que o guerrilheiro argentino foi morto no dia 9.

“Depois da captura do embaixador, os militantes e dirigentes do MR-8 sofreram grandes golpes da repressão. Mas continuaram com a realização de operações armadas como roubos ou assaltos a bancos e supermercados, principalmente no Rio de Janeiro”, descreve a historiadora Eladir Fátima Nascimento dos Santos em artigo acadêmico sobre o grupo.

A organização, ela acrescenta, “ampliou seu trabalho junto aos setores populares. Passou a estabelecer contatos em fábricas e em áreas rurais. Em 1971, o MR-8 publicou textos sobre experiências de trabalho político em áreas rurais e urbanas, nos quais mostrava-se como uma das organizações mais sólidas da esquerda revolucionária”.

Entre o final do ano e ao longo de 1972, suas lideranças começaram a se mudar voluntariamente para o Chile, então governado por Salvador Allende. Naquele momento, os movimentos armados haviam perdido força e estava claro que não tinham condições de implementar a tão desejada ditadura do proletariado. A partir do final da década, a aliança com o MDB se solidificou, o que gerou outros atritos internos que levaram muitos dos dirigentes a abandonar o grupo.

Na prática, o MR-8 nunca deixou de existir, ainda que tenha perdido relevância. A ação que destacou o movimento e fez sua fama, entre tantos outros grupos guerrilheiros da época, acabou sendo mesmo o sequestro de Elbrick.

“Guerra revolucionária”

Como relata o historiador Higor Codarin, na tese defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre o grupo e posteriormente publicada na forma de um livro, as primeiras ações armadas do MR-8 começaram em fevereiro de 1969. Primeiro, no dia 15, tomaram uma metralhadora de um sentinela do Hospital da Aeronáutica, no Rio de Janeiro (RJ). “De posse da metralhadora, no dia 24 do mesmo mês, realizaram a segunda ação, quando expropriaram o Bar Castelinho. Por fim, exatamente um mês depois, fizeram a primeira ação de expropriação de agência bancária, no banco Crédito Territorial, localizado em Bonsucesso”.

Num momento inicial, os assaltos eram realizados com grande facilidade, aponta Codarin. “O sucesso e a facilidade das primeiras ações geravam a impressão de que este era, realmente, o caminho da revolução, o caminho que os levaria a, como se dizia, construir a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do exército revolucionário”.

Mas a imprensa não noticiava os crimes dos quais os militantes tanto se orgulhavam. Foi quando surgiu a ideia de fazer uma ação de maior impacto midiático. “O sequestro de Elbrick foi a mais espetacular das ações praticadas pela luta armada brasileira”, argumenta Elio Gaspari no livro “A Ditadura Escancarada”. “Seu efeito político foi desmoralizante para o regime, tanto pela publicidade que a audácia do lance atraiu como pela humilhação imposta aos chefes militares, que, tendo atropelado a Constituição, se viram encurralados por alguns jovens de trabuco na mão”.

O texto que os militantes conseguiram que fosse divulgado em rádios, TVs e jornais dizia: “Grupos revolucionários detiveram hoje o sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o mantêm preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores. Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural”.

A ação ainda estabeleceu um novo procedimento para os demais guerrilheiros: o sequestro de diplomatas se repetiria outras três vezes em 1970, em março (com o cônsul-geral do Japão em São Paulo, Nobuo Okushi), junho (o embaixador alemão Ehrenfried von Holleben) e dezembro (o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher).

Filme indicado ao Oscar

Marcada por improvisos, como o aluguel de uma casa de grande porte poucos dias antes do rapto, sem que houvesse tempo de os vizinhos se acostumarem com a nova movimentação, ainda assim a operação alcançou seus objetivos. Em menos de 24 horas as forças policiais já sabiam onde o representante do governo americano estava sendo mantido, mas optaram por não colocar sua vida em risco. Estavam certos em adotar uma linha cautelosa. Como já declarou, em entrevista de 2014, um dos sequestradores, Cid Benjamin, que tinha 21 anos em 1969, “nós o teríamos matado se as exigências não fossem atendidas”.

O feito fez a fama dos 13 envolvidos e levou um deles, Fernando Gabeira, a escrever o livro “O Que é Isso, Companheiro”, adaptado para os cinemas em 1997, com Fernanda Torres em um dos principais papeis e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Mas, como analisa Gaspari, também deixou claro que a luta armada passava por dificuldades.

“A vitória dos sequestradores é um divisor na história do surto terrorista brasileiro. De um lado, marca o seu ápice. De outro, revela na sua própria finalidade os ingredientes do resgate que a corroía. Manobra ofensiva bem-sucedida em relação ao efeito externo, a ação foi concebida como instrumento de defesa, destinada a libertar militantes presos. A audácia dos sequestradores indicava o desassombro do grupo, mas a razão que os moveu estava ligada à luta por sobrevivência”.

De fato, alguns dos envolvidos com o rapto de Elbrick, como o próprio Gabeira, seriam posteriormente presos – e enviados ao exílio por ocasião dos sequestros realizados meses depois. A partir de 1972, o MR-8, assim como todos os demais grupos guerrilheiros, já tinha perdido o fator surpresa. Seus integrantes estavam mortos, presos ou exilados. Ao ressurgir, no final da década, já atuavam como um braço de apoio a Orestes Quércia. Hoje, seus líderes são apoiadores incondicionais do governo Lula – o jornal Hora do Povo, o mesmo que publicou a ameaça contra Mainardi, segue produzindo textos favoráveis às pautas do Partido dos Trabalhadores (PT).

noticia por : Gazeta do Povo

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