Enquanto muitos seres humanos podem cuidar da saúde durante uma onda de calor –evitando o sol e procurando locais frescos, por exemplo–, as plantas não têm como fugir. O estresse térmico, um dos principais fatores que moldam a evolução e a distribuição das plantas no planeta, representa uma ameaça significativa à biodiversidade vegetal e à segurança alimentar global. Para mitigar esses impactos, os pesquisadores vêm tentando compreender como as plantas o percebem e respondem a ele.
Quando as plantas são expostas a temperaturas extremas, elas começam a sofrer uma série de mudanças em suas células. O estresse térmico faz com que as células produzam mais moléculas oxidantes, desnatura proteínas, altera a membrana celular e até danifica o DNA. Esses efeitos podem comprometer funções vitais como a fotossíntese, o transporte de água e nutrientes, e a integridade das células. Caso essas condições extremas persistam ou se intensifiquem, a planta pode não conseguir se recuperar, apresentando células mortas ou até mesmo morrendo de todo.
São muitas as pesquisas que têm como foco as diversas espécies e cultivares de plantas que são adaptadas a altas temperaturas. Essa adaptação pode ocorrer em três tipos: escape, resistência e tolerância.
O escape envolve ajustes no ciclo de vida para evitar certos danos em períodos quentes, como ocorre com os ipês, que concentram a sua floração na época de frio e seca, evitando a exposição das flores ao calor extremo do verão. Já a resistência a temperaturas altas permite que a planta mantenha sua temperatura interna em níveis não estressantes, também chamado de termorregulação, utilizando mecanismos como movimentação foliar, aumento da transpiração e reserva de água, como fazem os cactos. Por fim, a tolerância ao estresse térmico, ou termotolerância, permite que a planta mantenha funções essenciais a despeito dos danos causados pela alta temperatura.
Plantas termotolerantes detectam os danos celulares decorrentes do estresse térmico e respondem ativando mecanismos de reparo, fortalecendo o sistema antioxidante, regulando o metabolismo energético e reprimindo o crescimento –ajustes que lhes permitem manter a viabilidade celular sob altas temperaturas, enquanto minimizam danos adicionais e se aclimatam à nova condição.
Estratégias agronômicas tradicionais, como acomodações no calendário agrícola (que seria uma estratégia de escape) e irrigação (que aumenta a resistência a temperaturas extremas), já atingiram seu limite de eficácia, e hoje é necessário investir em novas abordagens. A termotolerância representa um caminho promissor para aumentar a resiliência das culturas. Estudos recentes indicam que o controle preciso da resposta ao estresse térmico pode melhorar a produtividade agrícola, além de fornecer pistas sobre processos evolutivos e padrões de distribuição das espécies.
No ambiente natural, é raro o estresse térmico ocorrer isoladamente. As plantas enfrentam combinações de estresses que dificultam estudar o fenômeno individualmente, uma vez que interações entre múltiplos estresses podem gerar respostas únicas. O aumento extremo da temperatura combinado com seca ou alta intensidade luminosa, por exemplo, gera respostas que não ocorrem sob estresses individuais. Compreender como as células integram múltiplos sinais ambientais é crucial para auxiliar o desenvolvimento de plantas mais tolerantes a estresses simultâneos.
O uso de tecnologias emergentes, como nanomateriais e manipulação genética, pode ampliar nosso conhecimento sobre a termotolerância e sua aplicação na agricultura. Com isso, será possível desenvolver plantas mais tolerantes ao calor e a outros estresses combinados, contribuindo para a segurança alimentar global em um cenário de mudanças climáticas extremas.
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Cristiane Calixto é doutora em biologia vegetal e professora da USP.
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noticia por : UOL