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Cuiaba - MT / 8 de janeiro de 2025 - 0:51

Fernanda Torres, com Globo de Ouro, é gigante de país capaz de orgulho

Num vídeo que circula nas redes sociais, Fernanda Torres fala sobre o reconhecimento internacional de “Ainda Estou Aqui” e de seu próprio trabalho. O trecho é retirado de uma entrevista concedida ao jornalista Rodrigo Ortega, do UOL, na qual ela comenta a riqueza da cultura do Brasil e a nossa singularidade como espécie de “ilha continental” separada do mundo pelo idioma.

Paralelamente a essa configuração, ou melhor, por causa dela, nas palavras da atriz “a gente consome a nossa própria cultura, a gente tem total interesse por nós mesmos, porque nós somos uma potência de 200 milhões de pessoas, nós somos um país complexo, temos as próprias questões”.

Nessa relação intrincada com seu país e com o mundo, os brasileiros letrados conhecem muito mais a cultura europeia ou americana do que os europeus e os americanos conhecem a brasileira. Essa assimetria nos dá uma certa segurança sobre a relevância de nomes ignorados internacionalmente, como foi o caso, até pouco tempo, de Machado de Assis e Clarice Lispector, ou como continua sendo com Nelson Rodrigues.

“Como é que posso falar com alguém que não sabe quem é Nelson Rodrigues, que não sabe quem é Candeia?”, pergunta Torres. Se por um lado existe o complexo de vira-lata, por outro lado o Brasil “tem pena de o mundo não saber o que a gente sabe”.

As observações me lembraram prontamente de uma entrevista que fiz em 1990, em Milão, com o professor e escritor Umberto Eco. Foi um encontro especial, que contou com a participação dos poetas e irmãos Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Eco, um teórico da semiologia, disse a dada altura da conversa que o Brasil o espantara por ele ter conhecido aqui estudiosos sérios de Charles Sanders Peirce, filósofo, matemático e linguista americano.

“Me parecia que só os alemães se interessavam por Peirce”, disse o autor de “Obra Aberta” e “O Nome da Rosa”, que nos visitou pela primeira vez em 1966.

Aproveitando a deixa, observei que o Brasil tinha esse tipo de coisa, essas singularidades, embora fosse um país periférico, que se situava fora do centro do sistema mundial.

“Mas o Brasil é um centro por sua própria conta”, retrucou ele. “Esse é o drama do Brasil: não é o de ser apenas um país fora do centro, porque há muitos nessa situação. Mas o de ser um país que tem um centro por sua própria conta.”

As coincidências entre as palavras de Torres e Umberto Eco são evidentes, o que nos leva ao fato de que as questões sobre identidade nacional problematizadas pela atriz vêm de longa data e atravessaram nosso debate do século 20, tempo de “explicadores do Brasil” e de experiências de construção de um país que só se realizou integralmente como projeto civilizatório no plano simbólico da cultura.

Essa é uma questão já levantada por muitos, e de maneira enfática por Caetano Veloso, profeta voluntarista das possibilidades dessa ilha continental lusófona. Conhece-se sua visão de que a música popular teria sido um lugar privilegiado dessa elaboração —e a bossa nova o seu auge.

No vídeo, Torres se refere ao sentimento de “um orgulho nacional bacana”, que mais uma vez se manifesta no plano da cultura —terreno do qual o futebol já fez parte de maneira mais criativa. Não por acaso, foram muitas as comparações feitas entre a torcida pelo Globo de Ouro e o clima que vemos na Copa do Mundo.

Tudo isso pode soar um tanto antigo, mas Torres tem berço, cultura, obra relevante (inclusive literária) e idade para essa conversa. Ocorre que passamos por uma fratura que alterou essa perspectiva. Ou por múltiplas fraturas, não apenas nacionais, que nos confrontam com a crise das promessas da democracia liberal e das utopias socialistas, a desigualdade, a tribalização do discurso progressista e a emergência do populismo de extrema direita.

A imagem da ilha continental continua a fazer sentido, embora sempre tenhamos marcado presença no mundo. A premiação de Torres faz dela um gigante da cultura deste Brasil que ela tanto ama, e é um sinal de que talvez possamos colar alguns de nossos cacos.

Num paralelismo óbvio com o título do filme de Walter Salles (e do livro de Marcelo Rubens Paiva), o sucesso parece evidência de que aquele Brasil sonhado por muitos ainda está aqui. Assim como os velhos inimigos, os obscurantistas do fascismo cultural e político redivivo, que preferem o autoritarismo e um certo tipo de isolamento, este sim sufocante.

noticia por : UOL

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