O segundo mandato de Donald Trump deve reposicionar a América Latina e o Caribe no mapa das prioridades do governo dos Estados Unidos. Há temas-chaves para acompanhar, ainda que exista ampla incerteza sobre quais serão os seus desdobramentos.
Trump incluiu em sua futura equipe membros com grande conhecimento sobre a região, a começar por Marco Rubio, secretário de Estado (portanto, chefe da diplomacia) que é filho de cubanos e fala espanhol fluentemente.
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Mas o que motiva o aumento do interesse do republicano pela área? Ao menos três pontos precisam ser levados em conta, diz Thiago Vidal, diretor de análise política da consultoria Prospectiva, que atua em diversos países da América Latina. Primeiro, a imigração: 1,7 milhão de pessoas chegaram à fronteira do país com o México em 2024 buscando uma nova vida nos EUA.
Segundo, a forte presença chinesa na região, que acende o alerta vermelho em Washington —o Equador acumula uma dívida de US$ 4 bilhões (R$ 24 bilhões) com Pequim, e toda a rede elétrica da capital do Peru está nas mãos de empresas chinesas, para citar alguns exemplos. Terceiro, a agenda econômica: muitas das empresas e indústrias que deixaram o país nos últimos anos se realocaram em países latino-americanos.
Entenda como Trump pode afetar América Latina e o Caribe.
A questão migratória
Trump afirma que colocará em prática uma política de deportação em massa de imigrantes em situação irregular ou com permissão temporária no país, o que engloba mais de 10 milhões de pessoas, em sua maioria mexicanos e cidadãos do chamado Triângulo Norte (Guatemala, Honduras e El Salvador).
Não se sabe se ele manterá o apoio financeiro que Washington dá ao Panamá para que o governo de José Raúl Mulino deporte os imigrantes que chegam pelo chamado estreito de Darién. Tyler Mattiace, pesquisador da Human Rights Watch baseado na Cidade do México, lista quatro possíveis consequências humanitárias e econômicas.
Primeiro, “famílias mistas”, aquelas nas quais só uma parte tem status regular no país, poderiam ser separadas. Segundo, a reintegração dos imigrantes a seus países de origem demandaria planos governamentais difíceis de organizar.
Terceiro, as redes de tráfico de imigrantes poderiam sair fortalecidas, já que essas pessoas buscariam novas rotas. Quarto, as economias de alguns países que dependem diretamente das remessas enviadas por seus parentes nos EUA poderiam ser afetadas —1/3 do PIB de países como Honduras, Nicarágua e El Salvador vem delas.
Os imigrantes são fundamentais para a economia e para a demografia americanas. O país registrou em 2024 o crescimento populacional mais rápido deste século. Mais 3,3 milhões de habitantes se somaram ao território, e 84% desse grupo é de imigrantes.
Com o ditador Nicolás Maduro empossado para mais seis anos no poder e uma oposição clandestina ou no exílio, há dúvidas sobre a estratégia do republicano para lidar com Caracas.
As opções na mesa seriam aumentar a pressão econômica, por meio de mais sanções, ou buscar diálogo com a ditadura para tentar mediar uma negociação com a oposição ou maior comprometimento do regime com a contenção da migração e do tráfico de drogas.
Marco Rubio tem sinalizado que, sob a administração Trump, os EUA poderiam rever a permissão para que a petroleira Chevron atue no país, autorização dada em 2023 que ajudou a amortecer a bancarrota econômica da ditadura.
As ameaças à soberania regional
Surpreendentemente, Trump trouxe para debate um tema antigo e sem projeção nos últimos anos: a soberania do Canal do Panamá, a vital rota marítima que conecta os oceanos Pacífico e Atlântico devolvida por Washington ao país da América Central em 1999.
Ele afirma que as tarifas cobradas aos navios americanos seriam caras —elas subiram recentemente, mas sem discriminação de países. O tema gerou desconforto com o presidente Raúl Mulino, que dava todos os sinais de que poderia ser um importante aliado de Trump.
O republicano também disse que quer mudar o nome do Golfo do México, a região rica em petróleo que compartilha com México e Cuba, para Golfo da América.
Trump terá no ultraliberal Javier Milei seu mais expressivo aliado na região. Resta saber se a Casa Rosada poderá contar com a Casa Branca. Milei espera que Trump o ajude a concretizar mais um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o terceiro desde 2018.
O objetivo seria que o fundo desembolsasse cerca de US$ 10 bilhões (R$ 60 bilhões) para ajudar Milei a ampliar as escassas reservas do Banco Central e, assim, amortecer o peso do fim dos controles cambiais no país, sua promessa de campanha que ainda não saiu do papel.
O argentino também afirma que vai selar um acordo de livre-comércio com os EUA, mas há amplas dúvidas sobre a viabilidade disso e o real interesse americano na negociação. No campo político, em ano de eleições legislativas na Argentina, ter o apoio verbal de Trump pode ajudar a fortalecer o partido de Milei entre seus simpatizantes.
A missão de paz no Haiti
Os EUA são atualmente os principais patrocinadores da missão multinacional que, com policiais do Quênia e do Caribe, tenta ajudar a Polícia Nacional Haitiana a mitigar o colapso humanitário no país.
Há incerteza sobre se Trump manterá essa estratégia. Além disso, nos últimos meses Washington passou a pleitear que a missão se transforme em uma missão de paz da ONU, o que facilitaria a agenda orçamentária. É uma disputa a se comprar com Rússia e China no Conselho de Segurança, e tampouco se sabe se Trump o fará.
A guerra comercial e seus efeitos
Foi a guerra comercial de Trump com a China no primeiro mandato o que acelerou mudanças de importantes cadeias de produção para o México, um processo conhecido como nearshoring que se tornou a jóia da economia mexicana. Mas agora Trump ameaçou trazer a guerra comercial para os vizinhos.
Ele disse que irá impor tarifas a produtos do México e do Canadá. São dois países com os quais os EUA têm um importante tratado de livre-comércio —que, aliás, passará por revisão em 2026. Impor tarifas poderia não apenas encarecer os produtos finais que chegam aos consumidores americanos como virar do avesso as economias vizinhas.
Personagem central dessa história será a presidente do México, Claudia Sheinbaum, presidente que com cem dias de governo marcava 80% de aprovação. Ela foi eleita com a promessa de fazer seu país aproveitar o boom do nearshoring, agora desafiado por Trump.
noticia por : UOL