O médico Francisco Eduardo Cardoso Alves, membro do CFM (Conselho Federal Medicina) e conselheiro pelo estado de São Paulo, promoveu na última quarta-feira (15) uma palestra online na qual defendeu um estudo controverso que associa a vacina contra a Covid a mortes supostamente causadas pelo imunizante.
Intitulado “Avaliação do risco de mortalidade pós-Covid em casos classificados como síndrome respiratória aguda grave no Brasil: um estudo longitudinal de médio e longo prazo”, a pesquisa atraiu a atenção de grupos antivacina e foi contestado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e pelo Ministério da Saúde.
Durante a pandemia de Covid, Cardoso defendeu a ivermectina, vermífugo sem comprovação científica de atuação contra a Covid, durante CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado, em 2021.
A reportagem tenta contato com o médico desde sexta-feira (17), mas não obteve resposta até a publicação deste texto. O CFM também foi procurado, mas não respondeu.
Assinado por pesquisadoras associadas à própria Fiocruz, o artigo afirma que, após mais de um ano, os analisados tiveram entre 69% e 94% mais chances de morrer do que os não vacinados. Os motivos não são detalhados, mas as pesquisadoras sugerem a hipótese de efeitos adversos das vacinas ou efeitos no sistema imunológico.
Nesta semana, a pedido da Fiocruz, a revista Frontiers in Medicine acrescentou um alerta sobre as conclusões do artigo.
Apesar disso, o infectologista Francisco Eduardo Cardoso Alves organizou uma live com cerca de 150 participantes em defesa do estudo. O acesso ao link para acompanhar a palestra custava R$ 17.
“Ninguém teve aumento de mortalidade por tétano depois de tomar a vacina de tétano”, disse ele na live. “Quem tomou em 2021 corre risco [de morte]? Corre risco.”
De acordo com o médico, a resistência da comunidade científica ao estudo sobre mortalidade é feita por “questões políticas e ideológicas” que impedem a revisão dos efeitos da imunização a longo prazo.
Estudo contestado
O estudo foi questionado por um comitê técnico independente da Fiocruz no último dia 13. Os pesquisadores apontaram erros de metodologia, como desconsiderar comorbidades prévias, idade e condições socioeconômicas para sugerir uma mortalidade maior a longo prazo entre imunizados.
O estudo também foi questionado pelo Ministério da Saúde. A pasta afirma que o artigo, publicado em dezembro de 2024 em um periódico científico estrangeiro, analisa apenas um grupo de 5.000 mortes, em um cenário com mais 700 mil mortes causadas pela Covid no Brasil.
Também diz que a base de dados utilizada se restringe às mortes causadas por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda) em decorrência da Covid-19 no Sivep (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica) —ou seja, para pacientes que desenvolveram formas mais graves da doença. Segundo a pasta, o Sivep é um sistema usado para acompanhar a progressão de pacientes em condições já mais vulneráveis, que podem ter morrido por outras complicações de saúde, embora estivessem vacinadas.
O ministério também afirma que a “pesquisa revelou que o risco de óbito era mais elevado entre aqueles que haviam recebido apenas uma dose da vacina”, diferentemente de quem tomou três ou mais doses, “evidenciando que o esquema vacinal completo desempenhou um papel crucial no desfecho” dos casos.
De acordo com o infectologista Julio Croda, a Covid grave é uma doença aguda, que mata em até 14 dias, mas o estudo abrange pacientes mortos três meses após a internação, desconsiderando outras possíveis causas no período.
“Imagine um paciente internado com Covid em Manaus, no auge da crise [em 2021], onde não havia oxigênio. A chance de morrer [vacinado] é maior do que de alguém que morreu em 2023, com todos os equipamentos. Esse é um ajuste temporal e por região importante, que pode alterar o desfecho do paciente”, diz Croda. Segundo ele, tais ajustes não foram feitos.
O comitê da Fiocruz, por sua vez, criticou a falta de referência a demais estudos e citou “um vasto corpo de evidências científicas demonstrando a segurança e a eficácia das vacinas, respaldado por organizações como o International Vaccine Access Center (IVAC), da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health”.
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Pandemia
Durante a pandemia de Covid, Cardoso defendeu a ivermectina, vermífugo sem comprovação científica de atuação contra a Covid, durante CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado, em 2021.
Aos senadores, também defendeu ser contra o lockdown e a favor do tratamento precoce. Ainda em 2020, Cardoso foi apontado como um dos autores de uma nota de 2020, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, que orientava o uso de cloroquina e hidroxicloroquina como “tratamento precoce” contra a Covid-19.
Ele disse ainda que os imunizantes contra a Covid, de acordo com o estudo citado, também causam problemas como psoríase e quadros de epilepsia. “Não existem relatos que façam associação desses sintomas com a vacinação”, afirma o infectologista Julio Croda.
Apesar disso, em seu consultório médico, Cardoso diz aos alunos que hoje atende a pacientes com Covid-19 com quadros leves. “Parece uma gripe comum leve, menos forte do que a influenza“, diz.
noticia por : UOL