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Cuiaba - MT / 11 de janeiro de 2025 - 2:12

E se o Lula morrer?

O pensamento me veio à cabeça enquanto eu lavava a louça: e se o Lula morrer? Levei um susto. É que não sou de pensar essas coisas. Ainda mais lavando a louça. Mas pensei e no segundo seguinte me arrependi. Balancei dramaticamente a cabeça, como se fosse um cão se livrando das pulgas, e continuei com a arte de ensaboar e enxaguar, ensaboar e enxaguar.

É Natal!

Tentei dirigir os pensamentos para outras coisas. Pensei, por exemplo, que é Natal e Natal é época de limparmos a estrebaria do nosso coração para que Jesus possa nascer. E fiquei ali, tirando uma pedrinha de inveja aqui, uma sujeirinha de preguiça acolá. Sob a manjedoura, encontrei restos de orgulho e vaidade e fui varrendo, varrendo, varrendo. Deu certo por um tempo.

Me distraí

Estava feliz comigo. Tão feliz que me distraí e, enquanto lavava o último copo, me peguei pensando novamente: e se o Lula morrer? O copo caiu no chão. Foi caco de vidro para tudo quanto é lado e eu ali, de joelhos, tomando todo o cuidado do mundo para não me cortar e ao mesmo tempo impedindo que o pensamento sussurrasse em meu ouvido aquela pergunta novamente. Mas ele foi mais forte do que eu: e se o Lula morrer?

Morte em geral

“Sai daqui!”, gritei. Ele fugiu em seu trote de capetinha e, a uma distância segura, ficou rindo para mim seu riso mais cínico, enquanto eu cedia e pensava não em Lula, na morte de Lula, mas na morte em geral. Até porque morreu Dalton Trevisan, um ídolo da minha juventude, e eu não escrevi nada. Logo eu, que na inocência perversa dos meus 20 e poucos anos, ousei me perguntar e responder por escrito o que aconteceria se ele, Dalton, morresse.

Estátua equestre

Fiquei ali remoendo uma lembrança cada vez mais difusa. Dalton virando nome de rua ou ganhando uma estátua equestre no meio da praça Tiradentes – era isso o que eu previa, numa mistura de tolice e mais tolice ainda. Quando percebi, estava abrindo um sorriso triste e me permitindo sofrer pela primeira vez a dor improvável da perda de alguém cuja importância em minha vida venho menosprezando há anos. Uma injustiça – comigo e com ele.

Nossa parcela de culpa

Eis que me dou conta: é para isso que servem pensamentos como aquele que expulsei aos gritos. Aquele sobre o Lula, a morte e tal – não finja que você já se esqueceu. Servem para nos distrair das dores reais, das perdas próximas e, no contexto político, para nos impedir de reconhecermos que temos nossa parcela de culpa em todas as mazelas que nos acometem. Inclusive nessa mazela chamada Lula e tudo o que ele representa desde que deixou de ser um ser humano para se transformar numa ideia. Palavras dele próprio.

Na ponta dos pés

Assim perdido numa melancolia surpreendente, não percebi a aproximação do pensamento, que veio na ponta dos pés, se sentou aqui ao meu lado e insistia em querer saber o que acho que vai acontecer se o Lula morrer hoje ou amanhã. Ele queria porque queria que eu dissesse que tudo será melhor e que a morte de Lula seria um sinal de que algum tipo de justiça foi feita. Que a morte representará o fim da esquerda e será o prenúncio de uma, sei lá, utopia liberal-conservadora. Ou qualquer coisa assim.

Você vai lamentar?

Mas eu não disse (até porque não acredito que a morte de Lula vá resolver alguma coisa) e ele se revoltou. “Isentão!”, gritou ele, se afastando à velocidade da luz para me xingar covardemente de um cantinho bem aconchegante na extrema-direita do meu cérebro. O grito despertou outros pensamentos tão ou mais perversos. “Por acaso temos que ter compaixão do sujeito?”, perguntou um deles e eu disse de bate-pronto que sim. Que é difícil, mas ceder à dificuldade é coisa de gente fraca. Ele saiu ganindo. “Se o Lula morrer você vai lamentar?”, perguntou outro.

Pensando bobagem

Ia responder que não sei, sinceramente não sei. Nisso minha mulher chegou em casa e bastou a presença dela para todos os pensamentos macabros ou lúgubres ou melancólicos ou consequencialistas se calassem de uma vez por todas, dando lugar a estes dois: o que posso fazer para tornar essa mulher ainda mais feliz e o que temos para jantar? Diante da presença dela, abri um sorriso. Sorriso de quem estava pensando bobagem.

Mas isso foi antes de eu saber que Lula passará por mais uma cirurgia no cérebro. Parece que a coisa é mesmo feia.

noticia por : Gazeta do Povo

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Cuiaba - MT / 11 de janeiro de 2025 - 2:12

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