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Cuiaba - MT / 24 de março de 2025 - 23:17

Cortes do governo Trump na ciência atingem pesquisadores brasileiros

Os recentes cortes do governo Donald Trump no fomento à ciência também atingiram brasileiros que atuam nos Estados Unidos. Um físico teve suspenso um estudo sobre hesitação vacinal e uma bióloga teme que seu salário seja afetado. Uma professora viu seu projeto sobre diversidade ser negado e outra diz ter sido orientada a tirar a palavra “vírus” de propostas.

Em sua volta à Casa Branca, o republicano vem promovendo redução de verbas e de postos sob o argumento de racionalizar o governo, ideia propagada por seu aliado Elon Musk, à frente do Doge (Departamento de Eficiência Governamental).

As medidas vem alcançando tanto agências, como a Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) e EPA (Agência de Proteção Ambiental), quanto universidades, a exemplo de Harvard e Columbia. Só na Universidade Johns Hopkins, centro de pesquisa importante na área médica global e de onde saíam boletins diários de novos casos e óbitos da Covid no mundo na pandemia, mais de 2.000 funcionários foram desligados.

No último dia 13, o físico Vitor Mori soube que uma pesquisa em andamento em seu laboratório sobre hesitação vacinal em adolescentes no Brasil foi cancelada pelo NIH (Instituto Nacional de Saúde, principal financiador de pesquisas em saúde nos EUA). Interrupções em outros estudos em andamento sobre saúde e vacinação também têm sido citados nas redes sociais.

Aos 33 anos, ele é professor assistente na Universidade de Vermont, no estado de Vermont. Outra pesquisa sua, que busca entender a relação do tratamento de câncer de pulmão com intervenções medicamentosas, como imunoterapias, não foi afetada, ao menos por enquanto. Existe, entretanto, o temor de que isso possa ocorrer.

“Estamos vendo as demissões em painéis de revisão, que são os avaliadores para dar os grants [bolsas de pesquisa], e isso pode afetar todo o planejamento do estudo. Existe a incerteza de conseguir manter as equipes de pesquisa nesse período”, diz Mori.

O cenário de incerteza, a seu ver, pode ser especialmente preocupante para pesquisadores de fora, pois eles dependem da renovação dos projetos para a manutenção dos vistos de trabalho nos EUA.

No caso da bióloga Adriana Moriguchi Jeckel, 36, a incerteza cerca seu salário. Ela é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley.

O salário dela é atrelado ao financiamento do NIH à pesquisa de sua coordenadora. O estudo envolve toxinas e a evolução de defesa química em anfíbios e, segundo ela, não há uma sinalização no momento de que possa ser interrompido. Contudo, isso só vai se confirmar mesmo em agosto, quando for feita a renovação.

Outros efeitos indiretos também preocupam. A administração Trump reduziu em mais de 40% a verba destinada a fins administrativos nas instituições, passando de 50% a 60% (a depender da instituição) para apenas 15%. Na prática, para cada US$ 1 investido, projetos do NIH recebem um adicional que pode chegar a 65% para custeio indireto, como manutenção de laboratório e pagamento de conta d’água e de equipamentos.

“O meu salário de pesquisador é um custo direto da pesquisa, então não foi afetado. Mas os custos indiretos são importantes para manter a infraestrutura do laboratório rodando”, afirma Rafael Lopes, 35, pesquisador de pós-doutorado associado na Universidade de Yale, no estado de Connecticut. “Se não tiver condições para fazer os experimentos práticos, eu que sou um pesquisador mais da área de análise de dados, vou ser afetado também.”

“Neste momento, ele [Trump] se vê como um salvador da pátria que vai contra aqueles que ele acredita que foram injustos com ele no passado, e ele se justifica de modo a colocar isso como a vontade dos eleitores”, critica o pesquisador.

Apreensão

Alice Kamphorst, 45, professora assistente de oncologia no Hospital Mount Sinai em Nova York e coordenadora do Kamphorst Lab do hospital, afirma que o clima é de apreensão nos corredores do hospital judaico.

Segundo ela, nesta época já deveriam receber os primeiros alunos de pós-graduação para o curso de doutorado no Mount Sinai. No entanto, devido ao cenário de incerteza, ainda não fizeram nenhuma admissão.

“Acho que o fator principal foi a surpresa e a velocidade, com que tudo aconteceu, porque isso nunca foi visto antes na história dos Estados Unidos”, diz ela. “Mesmo o NIH, ele sempre foi defendido por republicanos e democratas.”

“Fomos orientados até a tirar a palavra ‘vírus’ de projetos, para evitar o cancelamento do financiamento”, afirma a docente.

Outra brasileira que atua como professora no Hospital de Mount Sinai também foi afetada pelos cortes do governo Trump. Ela, que pediu para não ter seu nome divulgado, foi informada que seu projeto submetido como parte de um edital de diversidade do NIH para aumentar a representação de latinos e outras minorias em instituições de pesquisa foi negado.

Manifestações

As medidas tomadas pela gestão republicana têm desencadeado protestos pelo país. A bióloga Adriana Jeckel esteve no último dia 7 na manifestação de cientistas na Universidade da Califórnia.

Ela vê um paralelo entre esse ato e a Marcha pela Ciência no Brasil, em 2019, da qual também participou. À época, o Brasil era presidido por Jair Bolsonaro (PL), admirador de Trump.

Na ocasião, pesquisadores brasileiros defendiam a manutenção do investimento na ciência e criticavam os cortes de 42% no orçamento do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). Na passeata californiana, o ato também era em apoio ao financiamento público à pesquisa, além da crítica a gestão Trump.

Diante do cenário nos EUA, os cientistas não descartam a possibilidade de retornar ao Brasil.

“Historicamente, o Brasil nunca atingiu um patamar próximo do investimento dos EUA em pesquisa, sempre foi muito menor”, afirma Rafael Lopes. “Não sei se voltaria para o país, pois continua muito aquém no investimento em pesquisa, mas é um dos lugares onde me formei cientista e gostaria de voltar a contribuir.”

“Ficar em um país que não vai investir em ciência, sem oportunidades para minha carreira… é melhor voltar para o meu país, onde tenho direitos, não sou considerada imigrante, que por aqui é um alvo. Então, podemos pensar”, diz Adriana Jeckel, pensando também no futuro de sua filha de cinco meses. “Não só pela parte da ciência, mas também de me sentir acolhida aqui.”

noticia por : UOL

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