Para compreender a relação entre o governo e o mercado, é necessário analisar a lógica de funcionamento dessas duas instituições, considerando seus atores, regras de tomada de decisão, objetivos e finalidades. Nas sociedades voltadas para o mercado, as instituições e as políticas do Estado protegem a autoridade dos empresários em seus negócios, garantindo-lhes prerrogativas como o auto-recrutamento nas elites corporativas e o controle sobre as políticas que consolidam a distribuição existente de renda e riqueza. O mercado, regido por expectativas, não é percebido como uma variável sujeita à influência da política, mas como um elemento fixo que determina as condições de formulação das políticas públicas.
Charles Edward Lindblom, em seu clássico artigo “The Market as Prison” (1982), destaca que o mercado possui um poder único e automático de punição contra políticas governamentais que contrariem suas expectativas. Esse poder se manifesta de diversas formas, inclusive sob a forma de desemprego ou queda no desempenho econômico, o que limita a capacidade de mudança social e priva o processo de formulação de políticas de um verdadeiro pluralismo. Lindblom considera que os mercados atuam como uma “prisão” para a formulação de políticas, restringindo a capacidade de uma sociedade democrática de realizar mudanças e reformas, e questiona a compatibilidade entre democracia plena e sistemas de mercado, dado o poder que este último exerce sobre a formulação de políticas.
No contexto do terceiro mandato do presidente Lula, a relação entre mercado e governo tem enfrentado desafios significativos. A frustração das expectativas de mercados, aliadas à tática de deslegitimação utilizada por setores da extrema-direita, agrava a instabilidade política e econômica. A compreensão dessa dinâmica é essencial para enfrentar esses desafios e construir um ambiente de cooperação entre as partes, preservando os princípios democráticos e a estabilidade econômica.
Para compreender melhor esse processo, que em muitos casos aprisiona as políticas governamentais, apresentamos a seguir uma tabela ilustrativa das diferenças entre as lógicas de atuação do mercado e do governo:
Tabela 1: lógica de funcionamento do mercado e do governo
Atores/Stakeholders | Mercado | Governo |
Principais agentes | Empresários | Altos administradores |
Lógica de atuação | Sistema de incentivos | Sistema de comando |
Motivação | Indução, expectativa de retorno | Hierarquia, comando e controle |
Stakeholders | Acionistas/controladores,
consumidores/clientes |
Sociedade, agentes políticos |
Marco legal | Direito Comercial
Direito Civil, Legislação societária, regulação setorial |
Constituição, Lei de Improbidade, Lei de Acesso à Informação,
Estatuto das Estatais Regime jurídico administrativo (licitações e contratos) Legislação societária Regulação setorial |
Elaboração do autor
Essa interação revela que, enquanto os altos funcionários públicos são controlados por sistemas de comando e devem prestar contas à sociedade e ao sistema político, os empresários são movidos por incentivos e reagem às mudanças percebidas como ameaças à sua motivação econômica.
Outro aspecto relevante é a distinção entre os setores estatal e privado. Essas diferenças vão além da área de atuação e permeiam os princípios, motivações e valores que regem cada um. A tabela a seguir detalha essas diferenças:
Tabela 2: diferenças entre o público e o privado
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Elaboração do autor
Enquanto o setor privado busca maximizar eficiência e retornos financeiros, o setor público atua para garantir a equidade e atender às necessidades coletivas. Essa diferença também se reflete nos marcos legais que regem suas atividades: o setor privado tem maior liberdade para agir, desde que respeite os limites impostos pela legislação, enquanto o setor público só pode agir dentro do que está estritamente autorizado pela lei.
A relação entre governo e mercado, portanto, é marcada por tensões inerentes às suas lógicas distintas. De um lado, o mercado demanda previsibilidade e incentivos; de outro, o governo busca atender às demandas da sociedade, muitas vezes impondo regulações para assegurar equidade e justiça social. Esses objetivos contrastantes exigem equilíbrio e diálogo constante para evitar conflitos e promover um ambiente que favoreça o desenvolvimento econômico com inclusão social.
Por fim, é essencial reconhecer que ambos os setores são complementares. Enquanto o mercado impulsiona a inovação e a geração de riqueza, o governo desempenha um papel regulador e redistributivo e de incentivo e planejamento fundamentais para garantir que o crescimento econômico seja acompanhado de progresso social e ambiental. O diálogo constante em busca de consenso mínimo, com transparência e sem ruídos, é fundamental para esse equilíbrio, sob pena de o mercado ter suas expectativas contrariadas ou frustradas e acionar seus mecanismos de defesa, que pode prejudicar toda a sociedade. É assim que devem funcionar o governo e o mercado nas democracias.
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noticia por : UOL