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Cuiaba - MT / 23 de fevereiro de 2025 - 17:30

O mito da crise da meia-idade: o que as pesquisas dizem sobre felicidade ao longo da vida

O que torna algo emocionante num dia e tedioso no outro? Por que nos acostumamos tanto com o que nos cerca? Essas são algumas das questões abordadas em “Olhe de Novo” (editora Intrínseca), livro de Tali Sharot e Cass R. Sunstein que investiga o fenômeno da “desabituação” — e como podemos recuperar a sensibilidade para enxergar a vida com frescor.

Professora de neurociência cognitiva na Universidade de Londres e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Sharot é reconhecida por suas pesquisas sobre comportamento humano. Já Runstein leciona Direito em Harvard e tem uma trajetória influente na área de políticas públicas.

No recorte a seguir, os dois desmistificam a crise da meia-idade e explicam por que, em geral, as experiências deixam as pessoas mais felizes do que adquirir bens.

Quando a mudança é interrompida — quando você deixa de aprender e progredir —, a depressão chega com tudo. Acreditamos que esse seja um dos principais motivos da temida “crise da meia-idade”.

Ao escutar essa expressão, pode ser que você imagine um homem careca com mais de 50 anos dirigindo um carro esportivo vermelho. Mas a realidade é bem diferente.

A queda nos níveis de felicidade entre os 40 e os 60 anos é observada em todos os indivíduos, sejam de diferentes países, sejam de diferentes profissões e circunstâncias de vida. Essa queda foi observada em pelo menos 70 países, a partir de entrevistas com milhares de pessoas.

A idade exata em que as pessoas atingem o fundo do poço difere um pouquinho de um país para o outro.

Por exemplo, acontece na faixa dos 40 anos nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Canadá e na Suécia; dos 50 na Índia, na França, na Alemanha e na Argentina; e bem no início dos 60 na Grécia, no Peru e na Áustria. (Rússia, Croácia, Polônia e Bósnia são exceções: os níveis de felicidade só chegam ao fundo do poço em pessoas na faixa dos 70 ou 80 anos.)

Antes de chegarem à marca da meia-idade, muitos indivíduos podem sentir que estão aprendendo e evoluindo no campo profissional e em outras áreas da vida — aprendendo dança do ventre, como ser um amigo de verdade, enfermeiro, cozinheiro, escrevente, professor, cônjuge, advogado, ativista, chef de confeitaria, figura parental.

Quando se tem 19 anos, tudo é possível: você pode se apaixonar hoje ou amanhã e aprender algo que vai virar sua vida do avesso ou mudá-la por completo. Mas, conforme se aproximam da meia-idade, muitas pessoas se sentem estagnadas.

Passam a sentir que as coisas estão estáveis e que vão continuar assim por muito tempo. Estabilidade não é algo ruim, e a vida pode ser “boa” no sentido convencional.

Mas ela implica menos mudança, menos aprendizado, menos acontecimentos desconhecidos ou imprevisíveis. As pessoas podem ter coisas ótimas na vida, mas muitas delas são constantes; são coisas às quais os indivíduos se habituaram.

No entanto, não se preocupe: a infelicidade não dura para sempre. Ela evoca uma reviravolta positiva conforme ficamos ainda mais velhos.

Sabe aquela imagem do idoso rabugento? Os dados não a corroboram. Pode parecer surpreendente, mas já foi demonstrado que os níveis de felicidade voltam a crescer depois da meia-idade e continuam a aumentar até nossos últimos anos de vida.

Talvez isso aconteça porque, após ultrapassar essa marca (fim dos 50 anos, início dos 60), a mudança se manifesta de novo — em geral, é o momento em que o filho ou a filha saem de casa, as aventuras aparecem, as pessoas se aposentam e buscam novos horizontes.

Isso é só especulação, mas talvez a necessidade de reestruturar a vida e aprender a ser uma pessoa diferente sob novas circunstâncias impulsione esses indivíduos a sair da habituação e seguir rumo ao aprendizado e à desabituação.

Em contrapartida, a “mesmice” da meia-idade pode ser duradoura e desmotivadora. As taxas de suicídio (sobretudo no caso dos homens) são em certo grau expressivas entre as pessoas que estão quase chegando aos 50 anos.

Os motivos que levam ao suicídio são complexos e diversos, mas a falta de mudança, a redução do aprendizado e a sensação de progresso interrompido podem contribuir para essa alta da estatística.

A experiência pode durar para sempre

Para combater o marasmo inerente à meia-idade, os indivíduos podem tentar induzir mudanças. Peter compra uma moto, Jacqueline vive se mudando, Chloe muda de emprego, Muhammad desenvolve habilidades de jardinagem, Viola viaja para a China e Thomas faz um curso de escrita criativa na faculdade local.

Quem terá mais sucesso em dar uma injeção de felicidade na rotina? Bem, a partir de várias pesquisas mostra-se que experiências (férias, idas a restaurantes, eventos esportivos, shows, cursos, o desenvolvimento de uma nova habilidade) tendem a gerar mais alegria do que novas posses (carros, casas, tablets, roupas, móveis, televisões, lava-louças).

Talvez você já tenha ouvido falar dessa famosa descoberta, mas pode não saber por que as experiências (em geral) deixam as pessoas mais felizes do que adquirir bens.

Pense em algum bem material que você comprou em algum momento recente. (Um notebook novo? Uma bicicleta? Uma geladeira?) Ótimo, agora pense na aquisição de uma experiência que você teve também por agora. (Uma viagem para Londres? Uma ida a uma churrascaria? Ingressos para um jogo de futebol?)

Tente escolher duas coisas (um bem material e uma experiência) que lhe custaram mais ou menos a mesma quantia e que você adquiriu mais ou menos na mesma época (algumas semanas ou meses atrás). Qual é o seu nível de satisfação com cada uma delas?

Se for como a maioria das pessoas, você terá se sentido mais feliz com a experiência em detrimento do bem material. Esse resultado foi obtido a partir de estudos, mas nós já sabíamos disso, certo?

Agora vem a parte interessante. Quando as pessoas pensam em suas aquisições anteriores, elas costumam ficar mais felizes com as férias na Carolina do Sul do que com o sofá novo; com o musical na Broadway ao qual assistiram do que com a camisa polo nova; porém, no exato momento da compra, não há diferença alguma no nível de felicidade obtido com cada coisa.

Por que isso ocorre? Embora a satisfação gerada por bens materiais diminua radicalmente ao longo do tempo, o mesmo não acontece com a satisfação proveniente de experiências. De acordo com os resultados de pesquisas, muitas vezes ela aumenta!

A alegria que você obtém da compra de uma geladeira ou de ingressos para um show pode ser quase a mesma no início, mas, ao passo que você se habitua a uma geladeira French Door da KitchenAid , a felicidade desencadeada pela lembrança de ver uma apresentação do Prince, antes de sua morte precoce, na O2 Arena, em Londres, dura a vida toda.

O impacto duradouro que as experiências causam nas taxas de felicidade em relação ao impacto fugaz dos bens materiais pode ser um dos motivos por que as pessoas estão mais suscetíveis a se arrepender de não ter adquirido uma experiência (uma viagem a Paris, um passeio de pônei) do que de ter deixado de comprar determinado bem.

Não estamos dizendo que todas as experiências são melhores do que todas as posses. Algumas experiências são horríveis, e algumas posses, divinas. Como escreveu Samuel Johnson: “Nada é mais desesperador do que um projeto de alegria”.

Apesar disso, em geral, muitos de nós parecemos subestimar o valor das experiências e superestimar o valor dos bens materiais. Um motivo para esse erro sistemático é acharmos que as posses são duradouras, e as experiências, por sua vez, fugazes.

Parece fazer sentido pensar assim — uma geladeira, um carro ou um adereço vão durar anos. (Tali ainda usa roupas que comprou quando tinha 15 anos; isso é o que eu chamo de dinheiro bem gasto.) Uma caminhada na orla, um salto de bungee jump, uma aula de música, uma estadia num hotel caro são coisas que duram semanas, dias, horas ou até mesmo minutos.

Na mente humana, no entanto, a posse está mais suscetível a ser efêmera, e a experiência, a durar para sempre. Depois de pouco tempo, talvez uma nova posse comece a passar despercebida por você.

Em contrapartida, uma experiência pode gerar benefícios duradouros. Pense num mergulho espetacular, numa aula que mudou por completo sua visão de mundo, numa viagem para o Alasca. Tudo isso pode voltar a sua mente — não em pequenas doses, e sim em grandes

Não é apesar de sua fugacidade que essas lembranças ainda brilham, e sim por causa dela.

noticia por : Gazeta do Povo

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