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Cuiaba - MT / 2 de fevereiro de 2025 - 8:41

Programas de apoio tentam garantir vida ativa para diagnosticados com esquizofrenia

Kevin Lopez tinha acabado de sair de casa. Ia encontrar a namorada para comer em um restaurante chinês quando, de repente, começou a ter alucinações.

Na verdade, foi só um lampejo. Viu uma folha cair, ou talvez a sombra de uma folha, e pensou que era a figura de uma pessoa correndo. A noite era clara naquele dia de dezembro do ano passado e, por um momento, o vulto em movimento pareceu se precipitar em sua direção. Uma corrente de medo o percorreu. Entrou rapidamente no carro, e a porta se fechou e se trancou atrás dele com um baque, o que o reconfortou.

Com o tempo, Kevin encontrou maneiras de lidar com episódios como esse; tinha certeza de que passavam, tal como uma cãibra na perna ou uma enxaqueca. Naquela noite, concentrou-se nas coisas que sabia serem reais, como o estofamento macio do banco do carro e o frio do ar de inverno.

Tinha se vestido para uma saída noturna e colocara nas orelhas dois pequenos brincos com pedras preciosas. Era sua folga do curso de pós-graduação em computação na Universidade de Boston. Aos 24 anos, autodenominava-se um “grande nerd, bonito e pessimista”.

Nos últimos quatro anos, Kevin fez parte de um experimento ativo. Logo depois que começou a ter alucinações, durante seu primeiro ano na Universidade de Syracuse, seus médicos recomendaram que entrasse para um programa intensivo financiado pelo governo, chamado OnTrackNY, que oferece terapia, aconselhamento familiar, assistência vocacional e educacional, gerenciamento de medicamentos e uma linha direta 24 horas.

Nos Estados Unidos, existem cerca de 350 programas como esse, que desafiam a velha ideia de que os transtornos psicóticos são degenerativos, ou seja, uma longa estrada descendente que leva à incapacidade definitiva. O programa acredita que envolver um jovem em apoios sociais desde o início dos sintomas pode, teoricamente, evitar que o transtorno avance.

Nos anos que se seguiram, a equipe OnTrack de Kevin remodelou profundamente sua vida: deu garantia aos funcionários da Universidade de Syracuse de que ele estava bem o suficiente para retornar e terminar seu curso; convenceu sua mãe de que era seguro deixá-lo voltar à faculdade; e aliviou o estresse diário que poderia desencadear surtos de psicose.

Mas agora, depois de quatro anos, seu tempo no programa chegara ao fim. Em dezembro, tudo iria embora: a equipe de cinco acompanhantes, a linha direta e o terapeuta que lembrava sua mãe.

O que poderia acontecer com ele sem essa rede de apoio? Mesmo que o entusiasmo pela intervenção precoce venha aumentando, novos estudos de longo prazo lançam dúvidas sobre se seus benefícios se mantêm depois da alta. Para Kevin, deixar o programa significou uma exposição repentina à autonomia e a explosão de um milhão de perguntas sobre como seria seu futuro com esquizofrenia. “As barras de apoio estão indo embora”, disse ele.

Nova esperança para a psicose

Há quatro anos, em outubro de 2020, Kevin estava em um hospital psiquiátrico em White Plains, Nova York, infeliz e em um estado lastimável de confusão.

Coisas estranhas tinham começado a acontecer com ele durante o verão, enquanto se preparava para seu primeiro ano em Syracuse. Vozes diziam coisas horríveis através das paredes. Ouvia tiros à noite. Escutou seu irmão Diego gritando –o que era impossível, já que Diego estava no Brooklyn– e ligou para casa, desesperado para salvá-lo.

Pela primeira vez na vida, Kevin estava sendo reprovado nas matérias. Em seu quarto da moradia estudantil, ofendia-se com insultos que ninguém mais conseguia ouvir. O diagnóstico de esquizofrenia parecia, como ele disse, “o fim de tudo para mim”.

Kevin conhecia a doença, porque seu tio, Marco, também a tinha. Ele vivia de benefícios por invalidez. Nunca teve um emprego ou uma parceira romântica. Isso não é incomum; um estudo sueco descobriu que, cinco anos depois do diagnóstico, apenas 10% das pessoas com esquizofrenia estavam empregadas. A taxa média de recuperação em longo prazo, de acordo com uma metanálise feita em 2013, foi de 13,5%

No começo, quando Kevin estava anestesiado pelos efeitos da medicação antipsicótica e dormia a maior parte do dia, pensou que essa também seria sua vida. Mas uma nova ideia estava se espalhando pela psiquiatria e, naquele outono, chegou até ele.

Kevin ainda estava em sua cama de hospital quando foi encaminhado para uma equipe do OnTrack, cuja base ficava no Instituto para a Vida em Comunidade no Brooklyn. Thomas Grant, enfermeiro psiquiátrico, estava de plantão para ajustar a medicação. Stoop Nilsson, líder de equipe, insistiu que ele se acalmasse, mesmo sentindo emoções desconfortáveis. Seus especialistas eram “como manos”. E uma delas, uma terapeuta chamada Maria Espin, se tornou a pessoa a quem ele mais recorria quando sentia o furacão de sintomas se agitando ao seu redor.

Enrolado em um cobertor

Já passava de uma da manhã quando o telefone de Maria começou a tocar. Ela saiu da cama, foi até a sala de jantar e abriu o laptop, ainda de pijama.

Do outro lado da linha estava Kevin, agora de volta a Syracuse e morando em um quarto alugado. Estava completamente alucinado. No início, parecia tão ansioso que não conseguia falar, mas ela podia ouvi-lo respirando pesadamente e andando de um lado para o outro.

Seus pensamentos estavam acelerados. Preocupações o tinham afligido no meio da noite. Uma voz lhe dizia que pegasse o abajur ao lado da cama e enrolasse o fio em volta do pescoço. “Podemos remover esse abajur e colocá-lo no armário?”, Maria perguntou. Kevin fez o que ela sugeriu. Com a voz tranquila, orientou-o a fazer exercícios de aterramento que o trouxeram de volta ao mundo físico ao redor.

Maria se lembrou de que, naquela noite, ficou na linha com ele durante quase duas horas. Combinaram que, assim que estivesse pronto, Kevin entraria em um Uber e iria para o pronto-socorro. E faria tudo calmamente. Não haveria ambulância, nem injeção de emergência, nem ficaria preso a uma maca. Dois dias depois, Kevin estava de volta às aulas. Era apenas mais um estudante de graduação se preparando para as provas.

Pouco a pouco, Kevin montou uma vida na qual pudesse acomodar a esquizofrenia. Programou suas aulas em torno do sono profundo que se seguia a cada dose de medicação; adaptou-se a um ganho de peso de 45 quilos, outro efeito colateral, e dançava nas festas de sua moradia. Em uma delas, durante seu primeiro ano na Universidade, conheceu Raquel Guardado.

Contou a Raquel sobre seu diagnóstico na segunda vez em que saíram juntos, e ela não o rejeitou. O fato de ele ter feito terapia pareceu a ela algo inequívoco. “Nunca tive medo. Só não sei o que me espera”, disse ela.

Estavam juntos no quarto dela em maio quando ele abriu o laptop para mostrar suas notas finais: havia passado na disciplina mais difícil, Sistemas Operacionais, e isso significava que se formaria.

Um quarto no porão em Boston

Quatro meses depois, Kevin se mudou para Boston, onde foi admitido em um programa de mestrado em análise de dados aplicada na Faculdade Metropolitana da Universidade de Boston.

A equipe manteve Kevin no programa por mais tempo do que os dois anos habituais, em parte porque ele tinha pensamentos persistentes de automutilação e estava na lista de casos de alto risco havia anos. Mas Maria sentiu que era o momento certo para lhe dar alta. Seus episódios severos eram cada vez menos frequentes –e, além disso, fazia meses que a equipe vinha recusando encaminhamentos. “O modelo do programa determina que você comece a encontrar cada vez menos os pacientes, para dar a eles esse espaço, esse empoderamento, de modo que possam enfrentar as coisas por conta própria”, explicou Maria, que é clínica de atendimento primário do Instituto para a Vida em Comunidade.

O que isso significa para Kevin ainda não está claro. Estudos e pesquisas sugerem que os benefícios da intervenção precoce não são sustentáveis em longo prazo. Uma revisão dos resultados de longo prazo, feita em 2019, descobriu que uma série de melhorias –como menores taxas de hospitalização, redução de sintomas e emprego em tempo integral– começaram a desaparecer depois do término do atendimento.

“No acompanhamento de dez anos, realmente todos os efeitos desaparecem. Enquanto você estiver fornecendo esses serviços coordenados de altíssima qualidade, vai ver melhores resultados. Mas, se os tirar, as pessoas não vão conseguir se manter bem com o passar do tempo”, afirmou Nev Jones, professor associado da Escola de Serviço Social da Universidade de Pittsburgh que pesquisa a intervenção precoce.

Forçando os limites

Em Boston, Kevin se enturmou em um bairro de jovens de 20 e poucos anos, com piercing no nariz e chinelos. Alugou um quarto em um porão por US$ 800 por mês e colocou duas fileiras de fotos da família emolduradas em frente à cama.

Ele e Raquel estavam se aproximando do segundo aniversário de namoro. Kevin gostava de sonhar acordado sobre o futuro, quando seriam “uma família típica em uma casa bonita”.

No entanto, internamente, as preocupações o estavam consumindo. Vivia com US$ 300 em vale-alimentação por mês. Suas aulas não eram difíceis, mas ele dormia frequentemente até o meio da tarde, cochilava durante entrevistas de emprego, consultas de terapia e aulas. Atribuiu esse problema à medicação antipsicótica, que “me faz dormir cada vez mais e mais e mais e mais”.

Para neutralizar o problema, Kevin cortou sua dose pela metade, o que o deixou menos sonolento. Às vezes, se tinha um teste importante, pulava sua dose “só para forçar os limites”. Não havia consultado sua equipe de apoio sobre isso, mas, raciocinou, havia chegado a hora de começar a resolver os próprios problemas. “Não posso ficar no OnTrack para sempre”, disse.

Três meses depois de se mudar para Boston, ainda não havia encontrado um novo psiquiatra ou terapeuta.

Pequenas câmeras vigiando

Duas semanas antes de sua saída programada do OnTrack, Kevin acordou com uma série de sintomas. Mais tarde, separaria os motivos pelos quais isso aconteceu: havia tomado sua medicação tarde, por volta das cinco da manhã, e mal tinha dormido quando Raquel saiu para o trabalho duas horas depois. Discutiram, e ele ficou sozinho, nadando em pensamentos catastróficos.

Agora havia tantas sombras que ele estava com medo de sair do quarto. Tentou bloquear a luz que entrava pela janela. Mas, quando fechou os olhos, viu pontinhos de luz que pareciam pequenas câmeras que o vigiavam. E as fotos de sua família começaram a falar com ele.

Nesse momento, sentiu que precisava de uma pessoa que se sentasse a seu lado e o ajudasse a identificar o que era real e o que não era. No passado, era Maria, ou sua mãe, ou Raquel. Nessa manhã, sozinho no porão, mandou uma mensagem para a única pessoa em que conseguiu pensar, o repórter do The New York Times que o estava acompanhando. “Estou com sintomas. Você pode vir e gravar?”, escreveu.

Quando cheguei, Kevin estava nervoso. Fiquei sentado lá enquanto ele andava de um lado para o outro, fazia flexões contra a parede e praticava os exercícios de aterramento que Maria lhe ensinara. Seus pensamentos disparavam: lembrou-se de que tinha uma prova à noite; de que deveria estar estudando; e pensava que, se dormisse, ficaria paralisado.

Comeu um sanduíche e se acalmou. Depois de uma hora, caiu em sono profundo. Quando acordou, mais tarde naquele fim de dia, as alucinações tinham desaparecido. Raquel mandara uma mensagem de texto em que pedia desculpas. Era a primeira vez que ele conseguia lidar com um episódio sem seu sistema de apoio, e isso parecia um feito extraordinário. Sentiu alívio por passar por algo doloroso e emergir inteiro. “Sinto, ouço, vejo essas coisas. Mas, então, as sensações vão embora”, comentou.

Um adeus

Kevin conversou com sua equipe OnTrack mais uma vez. Reuniram-se pelo Zoom em uma tarde de dezembro. Cada um deles disse algumas palavras sobre a distância que ele havia percorrido desde o primeiro episódio.

Stoop, o líder da equipe, salientou que a terapia havia mudado Kevin. Maria elogiou sua disposição em pedir ajuda. Diego, seu irmão mais novo, falou que ele era muito forte e conteve as lágrimas. “Você tem lutado esse tempo todo. Saiba que estamos sempre lutando ao seu lado”, disse Thomas, o enfermeiro.

noticia por : UOL

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