Divisões nacionais, inclusive dentro do governo Lula (PT), sobre combustíveis fósseis e desmatamento serão alguns dos obstáculos que o recém-anunciado presidente da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), André Corrêa do Lago, terá que enfrentar no cargo.
Seu objetivo, segundo pessoas envolvidas disseram à Folha sob anonimato, é tentar alinhar o discurso interno do país sobre esses pontos antes mesmo de iniciar conversas internacionais para a cúpula climática que ocorrerá em Belém de 10 a 21 de novembro.
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Sobre o primeiro, a ala ambiental ligada à ministra Marina Silva defende que se corte drasticamente o uso dessas fontes. Já o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) e seus aliados propõem a continuidade dessa atividade pelas próximas décadas.
Sobre as florestas, o agronegócio entende que o desmatamento pode acontecer desde que cumprindo a legislação vigente, para a expansão agrícola. Ou seja, que é cabível combater apenas o desmatamento ilegal.
Já ambientalistas defendem o fim de qualquer tipo de desmatamento, a chamada política de desmatamento zero.
De acordo com pessoas com conhecimento das tratativas, Corrêa do Lago entende que precisa construir um consenso interno sobre esses assuntos para fortalecer a credibilidade do Brasil nas conversas com os demais países.
E argumenta que o país-sede da COP30 precisa apresentar resultados diante de outros atores das negociações.
Na avaliação de cinco pessoas que atuam nessas negociações climáticas, o embaixador tem uma visão pragmática sobre esses temas e acha possível que exista uma estratégia para uso das fontes fósseis como forma de viabilizar energias renováveis e soluções sustentáveis.
O principal alvo dessa discussão no governo Lula tem sido a exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas, na margem equatorial. A Petrobras busca autorização junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para realizar a perfuração de um poço no chamado bloco 59.
Já a redução do desmatamento é a forma mais eficaz de o Brasil cortar suas próprias emissões de CO2, mas não é uma estratégia replicável em muitos outros países.
“Energia é um dos assuntos mais delicados do ponto de vista político e geopolítico. A discussão tem que ser muito específica para cada país”, disse ele em entrevista à Folha.
Um movimento estudado no âmbito da presidência da COP é o de ajustar o discurso de que a conferência de Belém seria a “COP da floresta”. A frase se tornou uma espécie de slogan informal para descrever o evento, mas o embaixador avalia que, embora seja importante ressaltar o papel da amazônia e da restauração da floresta para o equilíbrio do planeta, as discussões não podem se resumir à realidade brasileira.
Um dos fatores que pesaram para a escolha do embaixador para presidente da COP30 é sua capacidade de dialogar tanto com ambientalistas quanto com os setores de energia, indústria e agronegócio.
“O Brasil precisa constituir um pacto que reúna o setor produtivo e sociedade, entidades privadas, setor ambiental e o governo, em torno de uma pauta comum para a COP30, que consolide iniciativas e para o Brasil emergir como vanguarda da economia de baixo carbono”, diz o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que é vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e participa destas conversas.
Para Roberto Muniz, diretor de relações institucionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria), “neste momento, o mercado financeiro e o setor produtivo se unem na busca de uma solução para melhores investimentos”. “O que o embaixador propõe é real, nós já estivemos com ele e nos colocamos à disposição de participar efetivamente desse debate”, completa.
O embaixador já vinha atuando nesta articulação interna mesmo antes de assumir a presidência da COP30, mas na condição de secretário de Clima do Itamaraty.
Agora no cargo, já com começou um movimento para se reunir com todos os ministros do governo —e as primeiras agendas envolvem nomes como Geraldo Alckmin (Indústria), Marina Silva (Meio Ambiente), Fernando Haddad (Fazenda), José Múcio (Defesa), Carlos Fávaro (Agricultura) e Jader Filho (Cidades), além do assessor especial da Presidência.
Também deve manter os diálogos com entidades representativas de diferentes setores e, a partir do início do ano legislativo, em fevereiro, ele também pretende começar agendas com integrantes do Congresso.
Só depois disso, Lago deve intensificar as conversas internacionais. A expectativa é que isso aconteça em março.
O embaixador tem dito que é necessário esse diálogo interno primeiro, porque aparecer em negociações multilaterais com opiniões internas divergentes pode ter efeito negativo para o país nas tratativas.
Segundo uma pessoa que atua diretamente com o embaixador, sua avaliação é que ainda há muito desconhecimento sobre como funciona a conferência do clima da ONU e como cada ator pode contribuir em suas discussões.
Um de seus objetivos é pautar os debates em torno de uma bandeira histórica do país: o desenvolvimento sustentável para construir uma economia de baixo impacto, compatível com o cumprimento das metas de redução de emissões de poluentes.
noticia por : UOL