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Cuiaba - MT / 19 de janeiro de 2025 - 4:14

Novo livro de Simon Montefiore mergulha na trajetória das famílias do Paleolítico à Era Trump

Não se deve usar levianamente o adjetivo “monumental” para classificar livros, por melhores que sejam, mas seria injustiça não aplicá-lo a “O Mundo: Uma História Através das Famílias” —nem que seja pela simples massa do volume.

As mais de 1.300 páginas da obra do historiador britânico Simon Sebag Montefiore mostram que a ambição do título e do subtítulo não é mera bravata. O livro cumpre a promessa de apresentar uma visão abrangente de toda a trajetória da nossa espécie, do Paleolítico à Era Trump, dando atenção especial à maneira como as relações familiares se entrelaçam com o poder.

À primeira vista, a abordagem é antiquíssima e pode até passar certo cheiro de naftalina. A trajetória de dinastias, afinal de contas, é sinônimo de história com “H” maiúsculo desde pelo menos os livros de Samuel e Reis, no Antigo Testamento, ou dos supostos bastidores da família real do Império Persa narrados pelo grego Heródoto no século 5 a.C.

O autor, ele próprio com algum pedigree dinástico (os Montefiore, judeus sefarditas, têm atuado como banqueiros e comerciantes de prestígio na Europa desde ao menos o começo do século 19), não esnoba essa tradição, mas encontra maneiras de transformá-la.

É claro que o leitor encontrará, nas muitas centenas de páginas, os detalhes saborosos ou esquálidos da vida familiar de quem rege o mundo, inevitavelmente misturados, por vezes, com invencionices de seus contemporâneos.

Eis um exemplo pinçado ao acaso. “Apelidado de Arquidorminhoco do Império Romano, Frederico comia prodigiosamente, recolhia excrementos de rato e cuidava de flores, aborrecendo sua enérgica esposa portuguesa”, conta Montefiore sobre Frederico 3º (1415-1493), primeiro monarca do Sacro Império Romano-Germânico da Casa de Habsburgo —cujos descendentes acabariam se unindo até à família imperial do Brasil quatro séculos mais tarde.

A conexão Habsburgos-Rio de Janeiro, competentemente abordada no livro, é um bom exemplo das surpresas positivas da história. Aqui, o elenco de parentelas poderosas não se encerra nos suspeitos de sempre da realeza europeia, mas tem alcance verdadeiramente global.

O leitor pouco familiarizado com a história imperial da Índia, da China ou dos otomanos, por exemplo, sairá do livro com um bom panorama da trajetória dessas sociedades.

E Montefiore tampouco descuida das civilizações normalmente vistas como alheias à esfera de poder eurasiática, como os Keita, do Mali (provavelmente os reis mais ricos do planeta no século 14) ou os Kamehameha, arquitetos de um império insular no Havaí.

Outra boa surpresa, em especial considerando que estamos acostumados a enxergar muitas civilizações de forma estanque —como flores numa estufa— é perceber que as conexões de longa distância e longa duração da história global sempre foram muito mais intensas e próximas, inclusive do ponto de vista biológico, do que em geral se imagina.

E isso, de novo, vale para esferas muito além das árvores genealógicas emaranhadas das famílias reais europeias. De califas e sultões louros e de olhos azuis na Idade Média a netos de escravizados haitianos se tornando generais de Napoleão, as barreiras étnicas entre grupos humanos se mostram relativas ou mesmo ilusórias.

O paradoxo de um projeto tão ambicioso é que, por mais a contagem de páginas se esparrame, é difícil evitar alguma impressão de superficialidade ou pressa.

Apesar do esforço para contextualizar as famílias nas transformações econômicas, sociais e tecnológicas mais amplas dos últimos milênios, a narrativa nem sempre funciona. Mas a valentia do esforço é inegável.

noticia por : UOL

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Cuiaba - MT / 19 de janeiro de 2025 - 4:14

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