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Cuiaba - MT / 23 de novembro de 2024 - 13:18

Como o governo prevê recuperar áreas degradadas da Amazônia e do Cerrado com gado e agro, mas sem reflorestar

Com a justificativa de frear o desmatamento no país, o governo federal aposta em um programa que pretende recuperar áreas de pastagens degradadas em todos os biomas brasileiros, incluindo a Amazônia e o Cerrado, com a criação de gado, o cultivo de culturas, como soja e milho, e até a madeira para corte.

Controversa, a medida é vista com ressalvas por ambientalistas porque, na prática, vai ajudar produtores – empresas e agricultores (pequenos e grandes) – a obterem financiamento externo, via BNDES, para investir em áreas que foram exploradas ao limite pela própria pecuária e agricultura, perderam a sua capacidade de produção e acabaram abandonadas.

🚨🌱 Quando chegam num estágio avançado de degradação, essas pastagens ficam tomadas, por exemplo, por plantas invasoras e cupins e apresentam um processo erosivo acelerado. Com isso, a flora nativa não consegue nascer de novo.

O decreto que instituiu o programa foi publicado em dezembro do ano passado e anunciado pelo governo na COP 28, a conferência mundial do clima.

Agora, um comitê formado por representantes de diversos ministérios e da sociedade civil discute as regras e diretrizes para implantação, que deverão ser divulgadas até o fim de maio.

Vaca em pasto plantado em área desmatada da Amazônia  — Foto: Bruno Kelly/Reuters

Vaca em pasto plantado em área desmatada da Amazônia — Foto: Bruno Kelly/Reuters

➡️ De um lado, o governo fundamenta a iniciativa em dois aspectos:

  1. Custo bilionário: as pastagens degradadas estão sem utilidade. É preciso tratar o solo para repor seus nutrientes e permitir que volte a produzir. A recuperação exige um volume muito alto de recursos – da ordem de R$ 600 bilhões (veja mais abaixo). A ideia é atrair investimentos privados, uma vez que o poder público não teria como desembolsar esses valores. Segundo um levantamento da USP, a riqueza gerada pelo agronegócio representa mais de 20% do PIB nacional, chegando a mais de R$ 2 trilhões.
  2. Necessidade de barrar o desmatamento: a maior causa do desmatamento no país é a produção agropecuária. O objetivo do programa é estimular o produtor a usar essas áreas para evitar desmatar outras de vegetação nativa.

➡️ Por outro lado, o programa acende o alerta de especialistas, que apontam o seguinte:

  • Fragilidade da fiscalização ambiental no país: o receio é que o governo não tenha condições de fazer o monitoramento adequado para garantir que não haverá avanço ilegal sobre mata nativa, colocando ainda mais em risco os biomas.
  • Estudos insuficientes: o mapeamento existente sobre áreas degradadas precisa ser aprofundado para ter certeza de que a área degradada está, de fato, nessa condição. Também não há clareza sobre se terras públicas ficarão de fora.
  • Falta de consenso científico: há controvérsia sobre se liberar as áreas para o agro seja mesmo a alternativa mais sustentável e que capture carbono suficiente, especialmente porque a criação de gado é uma das atividades mais poluentes.

 

🐮🐮🐮 Além do desmatamento, um dos principais impactos da criação de gado é a emissão de gases efeito estufa. Na fermentação do capim digerido pelos animais, há a liberação de metano por meio de arrotos. O metano é altamente eficiente no aprisionamento de calor. Reduzir as emissões de metano é uma das metas para mitigar as mudanças climáticas.

 

  • Fiscalização inviável: a iniciativa apoiará exclusivamente empreendimentos que no prazo de dez anos reduzam as suas emissões ou aumentem a absorção de gases de efeito estufa. No entanto, esse cálculo é custoso. Seria preciso fazer a medição antes da entrega da área e manter isso permanentemente. No entanto, o decreto não inclui como isso será feito e nem mesmo exigência de que os empreendimentos banquem esse tipo de medição.
  • Pouca transparência: ambientalistas afirmam que o debate sobre as regras não tem sido feito às claras.As áreas que poderão entrar no programa estão em todos os biomas espalhados pelo país, mas não se sabe exatamente a sua localização. Especialistas defendem a realização de uma consulta pública.
  • Comitê dominado pelo agro: o Comitê Gestor Interministerial que discute quais serão as regras do programa é dominado pelo agro. A sociedade civil é representada, em sua maioria, por entidades do setor.

Áreas destinadas ao programa

 

👉 A meta é, em uma década, transformar em áreas agriculturáveis 40 milhões de hectares, que equivalem a, aproximadamente, 40 milhões de estádios de futebol, espalhados pelo país todo.

Os terrenos, provavelmente, estão localizados em propriedades particulares, como fazendas e plantações. Devem ficar de fora áreas públicas, como áreas de conservação ambiental e terras indígenas, mas ainda não há informação oficial sobre isso.

👉 Hoje, há, no total, 109 milhões de hectares de pastagens com algum nível de degradação no país inteiro. O governo tem outros programas focados nos biomas, que incluem iniciativas como agroflorestas, reflorestamento e também financiamento ao agronegócio.

A reportagem conversou sobre o programa com pesquisadores, ambientalistas, representantes do agronegócio e a indicada do Ministério do Meio Ambiente no comitê gestor.

g1 também procurou o Ministério da Agricultura . Uma entrevista chegou a ser marcada para o dia 29 de fevereiro com o assessor especial da pasta, Carlos Augustin, mas ela não aconteceu e até a última atualização, não havia sido dado retorno à reportagem nem tampouco esclarecidos os questionamentos feitos.

Fonte: Como o governo prevê recuperar áreas degradadas da Amazônia e do Cerrado com gado e agro, mas sem reflorestar | Meio Ambiente | G1 (globo.com)

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